GTH em recesso

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Bom dia!

Nosso recesso das reuniões tem sido bem movimentado. Há como que uma eletricidade no ar. Em meio a muitas transformações tecnológicas na saúde e na educação, novas demandas estão se assomando as antigas. Parece que não demos conta das primeiras; e os novos desafios vêm convocar-nos a uma urgência já incontornável.

Na educação, serão distribuídos 600 mil Tablets para professores da rede pública, eliminando  virtualmente, os cadernos de chamadas para algo em torno de 18 milhões de alunos. O sistema de regulação de leitos, de procedimentos terapêuticos e de controle da carga horária dos trabalhadores está sendo informatizado gradualmente. Apesar dos ajustes, das acomodações, nada será familiar no mundo novo que não para de emergir em torno de nós.

Depois de mais de duas décadas trabalhando (primeiro com recém nascidos em uma UTI Neonatal, depois com moradores de rua em um abrigo e atualmente com saúde mental em um SRT  e como professor de ensino fundamental em uma escola de periferia) a realidade se impõe com a força de uma memória. Uma memória capaz de ver em cada caso sua dimensão única e simultaneamente sua parte em uma onda estatística.

Em uma comunidade de 60 mil habitantes um grupo de 600 traficantes pode garantir que nenhuma criança cresça sem encontrar, ao menos uma vez, um cadáver no caminho da escola. Famílias matrilineares são perfeitamente funcionais, no entanto a falta da referência paterna tem efeitos concretos. Admirável é que a criminalidade e o sofrimento psíquico estejam confinados a percentuais estatísticos, certamente alarmantes, mas ainda longe de serem o retrato da maioria.

Uma reportagem do Jornal Zero Hora solidificou uma convicção antiga. As seqüelas da falta de afeto, cuidado e atenção em um núcleo familiar são tão difíceis de sanar quanto o esmagamento de uma perna ou  de um braço.

No entanto, a mesma sociedade que considera perdidos ou quase mortas (de resto, apenas meio vivas) as crianças e adolescentes vítimas de negligência, abuso ou miséria afetiva e material, espera que o Estado e suas instituições tenham o poder para curar, (re)habilitar e (re)socializar. Parece que não percebem que o evento traumático e a negligencia continuada são formas de habilitar e de socializar perversas. E que uma vez perpetradas são irreversíveis. Pode-se encontrar uma forma lenitiva de viver com isso. Não há como apagar uma vivência.

A família em suas variadas configurações e linearidades é anterior a tribo, ao bando e ao Estado. Existe por muito mais tempo que a civilização. Sua eficácia é inegável e concreta. Se ela falha, o recente verniz de civilização que nos cobre é miseravelmente ineficiente. De 162 internos da FEBEM em 2002, 48 morreram assassinados, por suicídio e por doenças evitáveis em sua idade. 114 são réus condenados. Poucos estão tentando com custo seguir a vida. Não por acaso estão integradas as camadas mais humildes de nossa sociedade.

Curiosamente, o clamor e a indignação dos formadores de opinião (os homens e mulheres da mídia) recai sobre o Estado e suas instituições. Parece que os bem colocados socialmente cedem a ilusão de que fizeram a si mesmos.

Assim, é como se suas histórias familiares tivessem um papel secundário em suas trajetórias de sucesso. Somente negligenciando a fortuna de terem estado (e estarem) em um lar afetivamente aquecido pode-se explicar sua ingenuidade. Como podem achar que as seguidas noites em um alojamento coletivo, dia após dia, natal após natal, pode fazer de uma criança um adulto saudável?

Em meio a toda a viscosidade tradicional que cimenta as relações humanas em seus aspectos mais sombrios, estamos vendo o nascimento de um espaço novo. Do meio relacional antigo com as divergências entre a expressão lingüística e a realidade, entre o que se diz e o que se faz, herdamos os paradoxos. Neste meio mais amplo em que a informação deixa as mentes humanas para habitar a memória das máquinas, estamos liberados para agirmos de uma forma humanescente, de acordo com Michel Serres.

Uma nova modernidade mais líquida e acelerada causa vertigens aos nascidos no século passado. Não estamos acostumados a essa ubiqüidade que nos entrelaça em vínculos de risco antes mesmo de aceitarmos que a separação é uma ilusão.

Há muito a ser pensado e muito que trabalharmos neste contexto de inovações das tecnologias e dos vínculos humanos. Para nós, nômades que transitam de um mundo a outro, pode ser uma experiência singular. Para nossos filhos, nascidos neste milênio, tudo parecerá natural. Mas a herança humana está em nossas mãos. Humanizar será tornar-se o novo sem perder a ligação que permite aos cientistas e filósofos dividirem com os caçadores e xamãs a mesma condição de seres humanos.

Logo estarei passando uma proposta de calendário para as reuniões do GTH em 2012.

Um bom Fevereiro a todos!