SAÚDE POTIGUAR E TERROR – Cap. 4

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 Transcrevo com autorização das pessoas mencionadas, o texto escrito pela Dra. Elke Mendes Cunha Freire, em 16/05/12, e socializado pela Promotora Dra. Iara Pinheiro do MPE-RN, na lista do Coletivo Tecendo-Redes-Pnh, composta por profissionais de saúde, docentes das Universidades do estado potiguar, usuários e defensores do SUS público e de qualidade.

                              SAÚDE E TERROR

                                                                       Elke Mendes Cunha Freire
                                                                       Conselheira Federal da OAB

         Como relacionar, com a saúde pública do Rio Grande do Norte, o filme “Psicose” e a cena de Marion sendo brutalmente esfaqueada enquanto toma banho? Quando se procura conhecer um pouco da situação dos principais hospitais públicos e de outras unidades de assistência médica à população, não é difícil imaginar que a saúde pública parece ser vítima de tenebrosas estocadas ̶ tal como ocorreu com Marion, em uma das sequências mais famosas da história do cinema.
         Não se desconhece que, em quase todo Brasil, o quadro é de calamidade. Porém, a extensa greve na saúde e o desprezo da Administração quanto a alguns aspectos específicos fazem o Rio Grande do Norte “negativamente privilegiado”.
         A greve, na realidade, tem sido bem cômoda para o Executivo: em comparação com o que se deixa de funcionar, gera até “economia” para o Estado e não afeta as classes alta e média, que continuam buscando a rede privada – quando não os Hospitais Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo.
         Dessa forma, por que haveria negociação? A justiça de boa parte do pleito é inegável. Todavia, a essa altura, o bom senso apela para a suspensão imediata da greve. É inadiável que se busque uma forma mais criativa de se fazer pressão. A população mais pobre já não suporta tanto descaso e sofrimento. Com tantas categorias que receberam promessas de implementações para este ano  ̶  e tendo por base o que se anuncia das contas de Governo  ̶ , não é de se achar que melhor sorte terá a saúde.
         Há uma realidade de dívidas da SESAP muito séria. São milhões de restos a pagar de exercícios anteriores – que não podem ser adimplidos com a mesma fonte de custeio. E não parece haver planejamento para acerto das dívidas com fornecedores de insumos e medicamentos, gêneros alimentícios e prestadores de serviços. Acentua-se o descrédito em relação à Pasta da Saúde. É improrrogável que se adote medidas que não podem mais ser adiadas. Os repasses orçamentários e financeiros dos recursos do OGE para o Fundo Estadual de Saúde, referentes ao primeiro quadrimestre do ano, carecem de atualização!
        A SESAP precisa ter autonomia. Aliás, tem se falado em todas as licitações serem concentradas na Secretaria de Planejamento ou de Administração. Caso ocorra, isso redundará em ainda menor autonomia para a Saúde. Será a decretação da falência do sistema. E atente-se que o contínuo contingenciamento já tem “auxiliado” muito o trilhar desse caminho.
        A Central de Regulação de leitos hospitalares do SUS tem que ser efetivamente instalada. E o assunto leitos, sem prejuízo da carência de vagas para UTI’s em geral, remete a uma das situações mais chocantes: o número de leitos de UTI neonatal existente no Estado – circunstância agravada em consequência da deficiente realização de pré-natal adequado na rede básica. “Temos que cuidar das nossas crianças!”
        Na Unidade Central de Agentes Terapêuticos (UNICAT), por seu turno, é triste o relato de inúmeros medicamentos faltantes para a respectiva “dispensação” (entrega dos produtos). Em regra, os problemas parecem não envolver a gestão da UNICAT em si (porque é muito mais um “balcão de entrega”), porém planejamento e execução orçamentária de Entes.
        É urgente que o Estado planeje ações de curto e médio prazo para minimizar os problemas na rede hospitalar da SESAP. O Poder Público precisa dar respostas à ausência de uma rede básica eficiente. E aí se identifica repisado problema que diz respeito ao atendimento relativo também a municípios do RN – diante da falta de uma retaguarda para os pacientes que procuram as unidades básicas, uma demanda insuportável termina (indevidamente) desaguando no Hospital Walfredo Gurgel.
         O HWG necessita de um gestor de excelência (ou de um comitê gestor), seja médico ou não. É indispensável a elaboração de um plano de ação, com metas e indicadores, que englobe todos os problemas enfrentados (passando pela superlotação,  escalas fictícias, desabastecimento, problemas físicos, contratação relativa ao lixo, manutenção ou inexistência de equipamentos, dentre tantos outros). Aliás, muitos deles repercutem ou se reiteram em todo o sistema.
         O Judiciário também deve fazer a sua parte. Alguma prioridade tem que ser dada às demandas coletivas relativas às ações sanitárias que tutelam problemas altamente lesivos à população usuária. Há diversas ações civis públicas já promovidas cuja resolução do conflito urge (exemplos: ACP do desabastecimento; ACP Leitos de UTI, e ACP retirada de pacientes dos corredores).
        Concomitantemente a tudo que se relata, é importante que a população fique atenta para que o caos não seja um pretexto para o Estado buscar o setor privado, quando existe uma rede hospitalar pública ociosa. Impressiona saber que falta papel higiênico no Hospital de Santa Catarina, enquanto, em relação ao “Hospital da Mulher” (Mossoró), garante-se – com tanta prontidão – tão altos desembolsos relativos à “cooperação”.
        Como se vê, a saúde pública do RN tem sido duramente atingida, mas há possibilidades de socorro. Os golpes são assustadores. Ouço a sonora da mencionada cena do chuveiro… 

                                                Elke  Mendes Cunha Freire