O Som do Coração

Querida Meine,

Você me fez lembrar de Sofia, uma criança que acompanhei no Panatis e que se foi há algum tempo. Ela entrava sempre chorosa na sala, mas abria um sorriso imenso quando puxávamos a corda de um brinquedinho musical e o som invadia a sala…

Seu relato me emociona; sua canção de ninar é uma potente tecnologia de cuidado.Em meio a tantas dificuldades, ela faz  o coração bater mais intensamente; faz a vida pulsar forte.  

Beijos,

Jacque 

 O que dizer diante de um post tão forte ! Uma experiencia tão intensa de cuidado, e diante de tantas limitações ? Que bom que voce veio até a RHS compartilhar esta experiencia aqui, registrando que mesmo diante das deficitárias condições de trabalho existentes hoje neste estado, a amorosidade e o comprometimento de profissionais da sua grandeza consegue fazer muita diferença. Fez diferença para a pequena bebê que pode se acalmar em um sono mais tranquilo, com a sua música de ninar, tão essencial quanto o oxigênio naquele momento.

 Um beijo !

 Shirley Monteiro.

Meine!

Parabéns!!

Cantiga de ninar como tecnologia leve, dispositivo imaterial para diminuir a angústia e o choro e facilitar a respiração do bebê!

Teu post me fez lembrar de uma vinheta que citei na monografia do pós em humanização da atenção e gestão do SUS. Foi utilizado um dispositivo simples e resolutivo como o teu, a sensibilidade!

A vinheta é de uma colega do curso e foi compartilhada numa aula virtual. A interpretação é minha, com a transposição da prática aos conceitos da PNH. Segue o texto:

"Relato aqui duas vinhetas clínicas representativas desse saber democrático, que valoriza com igual importância os conhecimentos adquiridos na experiência vivencial e aqueles provindos das cátedras. HumanizaSUS (política), psicanálise (saber) e cultura popular (práticas), todos conectados.
7.1 Situação 1: no âmbito hospitalar:
            “Gestante internada há cinco dias por pré-eclâmpsia, mantendo a pressão arterial constantemente elevada. Sem companheiro, um filho de quatro anos que ficara com a avó. Naquela manhã ao entrar no quarto para avaliação do turno, a paciente chorava muito. Perguntei o que estava acontecendo e em que poderia ajudá-la. Estava preocupada e com saudades de seu filho. Nunca ficou longe por tanto tempo. Acreditava que o menino sequer estava se alimentando. Liguei para a avó para liberar visita com a criança em horário que ela pudesse. Como a mesma poderia vir ao hospital somente no final da tarde e a paciente não podia sair do repouso até o telefone no posto de enfermagem, forneci o meu celular para a avó e a paciente pode conversar com sua mãe e com seu filho. Ela ficou muito agradecida e naquele dia não foi necessário o uso de nifedipina, pois a paciente se tranqüilizou e os níveis tensionais diminuíram.” (41)
Fragmento obtido através do teleduc, no portfólio da Enfermeira Ana Fraga, da Unidade de Produção: Hospitais. Turma 2008.

                 A postura da colega contempla a concepção clínica ampliada através de vários dispositivos como: o acolhimento do sofrimento observado, a escuta para compreensão deste, o vínculo estabelecido, que a permitiu empatizar com a situação vivenciada pela gestante, o respeito à pessoa e sua história de vida prévia à internação, percebendo a patologia como parte desta história, a liberação de visita aberta, e por fim, a resolutividade, através do pronto restabelecimento do contato mãe-filho.
               Sabe-se que a refratariedade ao tratamento de uma pré-eclâmpsia pode fazê-la evoluir para eclâmpia com potencial risco de morte para o feto e a mãe.
               Além do risco real de mortes, pode-se inferir fantasias inconscientes de mortes e culpa tanto povoando a mente da mãe, que ao engravidar de outro filho, deixou seu primogênito privado pela primeira vez de sua presença, quiçá, inclusive sem alimentar-se.  O castigo viria em forma de uma doença (pré-eclâmpsia), necessidade de hospitalização e repouso absoluto. Por parte do pequeno, a psicanálise nos ensina que fantasias de desejo de morte de irmãos recém-nascidos não são incomuns, já que estes chegam para dividir um espaço de supremacia até então conquistado. Não bastasse a ansiedade provinda da antecipação da perda da posição de centro da atenção, soma-se ainda àquela associada ao medo de perder a mãe e a culpa por seus próprios pensamentos.
               Óbvio que as interpretações de fantasias inconscientes não passam de inferências que só podem ser confirmadas frente à validação, consciente ou pré-consciente, dos sentimentos dos implicados.
               De qualquer forma, esta postura profissional tão acessível resolveu demanda e necessidade imediatas, de forma eficaz e efetiva. Um telefonema, a voz do filho, a voz da mãe, um acalmar de medos e fantasias de ambas as partes e a pressão arterial corrige-se. Exemplo digno de ser replicado como recurso didático em aulas e palestras.
               O uso da tecnologia relacional, trabalho imaterial da colega foi mais efetivo que a nifedipina. Às vezes as tecnologias duras obscurecem a pessoa e suas necessidades. O melhor anti-hipertensivo, aquele de 5ª geração, seguramente não teria a eficácia comparada ao apaziguar de angústias que este telefonema propiciou.
Além disto, a intervenção influiu em diferentes níveis de complexidade, já que foi uma ação de atenção primária, protegendo o menino de uma manifestação muito prevalente em casos de trauma semelhante, como a “ansiedade de separação”, cuja ocorrência pode ser considerada como um pródromo de futuras patologias da ansiedade como Transtorno do Pânico, Agorafobia, Fobias Simples e Generalizada, etc Quanto à mãe, foi feita prevenção secundária: frente a uma patologia já estabelecida, a intervenção foi no sentido de recuperá-la sem seqüelas maiores como, no caso, o risco de eclâmpsia.
               Uma atitude de co-gestão, neste caso, seria a proposição, em reunião de equipe, da aquisição de um telefone sem fio (dispositivo da ambiência) para a unidade de internação, já que muitas outras mães devem manter-se ali por vários dias em repouso absoluto, sendo assim, muitas vozes devem ter se calado em choro e muitas pressões arteriais devem ter-se elevado na aridez de camas de hospitais.
Ampliar a clínica é então, também a possibilidade de acessar praticamente todos os dispositivos da PNH, no momento e medida necessários.

Amiga/ cumadre/irmã…

Estou eu em mais um dos plantões e lá fui eu m busca da sua escrita . Sinceramente não contive as lágrimas…Até quando  vamos ser personagens de dramas como estes?até quando aguentaremos o sofrimento alheio que passa a ser nosso também? quanto custa uma  vida inocente? quanto custa a angústia de uma mãe? E como  diz outra canção "sabe lá o que é não ter e sempre ter que ter pra dar"..

Hoje no inicio do plantão uma mdica adentrou  esta UTI pedindo uma vaga para uma paciente dibética com sepsis, foi as lágrimas dizendo"não aguento mais assitir as pessoas morrerem e não poder fazer nada". Vida de gado!!!!!!!!!!!!!!!!!!

feridas de 17 anos atrás, quando vivenciei ter um membro da familia com coqueluche. E, onde não fui escutada como mãe por um serviço particular de saúde.

Chamavam a minha e a minha mãe como marinheiras de primeira viagem, e, até que a palavra dita por uma técnica de enfermagem me encheram de dúvidas, a palavra: cianose, acompanhada de um silencio mortal após dizer o nome do médico que acompanhava o caso.

Um telefonema, para uma médica, até, então parente e desconhecida  me levaram a rumar por um SUS menino,onde consegui sobreviver com minha filha mas, que deixaram em mim marcas profundas.

O choro na porta do hospital, o grito das crianças em um sofrimento profundo, a angustia de tantas famílias oriundas dos interiores do estado, as dificuldades em receber apoio, o sofrimento, a precariedade da vida…os procedimentos em vão…voltar para casa sem os filhos!

Também marcaram as pessoas especiais, que foram anjos e que nos transportaram para além do sofrimento e outras que nos despotencializaram…que amarguram nossa existência.

A saida do plantonista, deixando minha filha, a espera de uma uti, pq o turno acabou…a chuva na madrugada, o medo, a angústia, a solidão!

Mas, ainda resta em mim uma gratidão profunda ao anjo negro, que recebeu minha filha, numa noite de inverno, e, com sua mão a tranquilizou, resta em mim, um técnico desviado, que adorava vestir e colocar em minha filha e em mim brilhos e vontade de existir, ainda me resta a mão acalentadora de uma técnica de enfermagem que apoiou meu pai, na dor, de um batismo de uma neta, em plena uti, hiperligada por aparelhos e com poucas chances dali sair.

Resta em mim, as mães coragens que veem com seus filhos do interior do estado, com o filho e a roupa do corpo, e , a coragem de leoa, para estar ao lado…sem mais nada!

Fica em mim o registro das mães unimed e de outros planos de saúde que driblaram todos para dar a essas um banho digno , um pouco de dinheiro e o apoio de quem sabe o que é sofrimento.

Resta em mim, a médica que me fez ficar ali, com minha filha no colo enquanto trocava a sonda, por que acreditava que ali estaria segura.

Fica em mim a vontade de nunca ser indiferente ao sofrimento, fica entendido que rei e peão vão para a mesma caixa ao final do jogo…e, apesar, de lembrar cada rosto que vi, cada expressão (da qual me envergonho, por saber, que esses filhos retornarão jamais) fica um agradecimento pelos 17 anos da minha filha e por todo e tudo que apreendi!

Peju

Caríssim@s.

Esse post deflagra outra música: A música do trabalho vivo em ATO.

Poderia delongar a história, evocando Merhy, mas hoje escolho outras referências. Evoco as palavras de Meine, seguidas intensamente pelas rememorações da Claudia, da Jacqueline, da Jussara e de outras VIVENTES que experimentaram (e experimentam) cotidianamente a produção de um trabalho imaterial com efeitos bem reais. Profissionais que exercitam as tecnologias leves do cuidado em meio a um cotidiano excessivamente duro, seja nos hospitais, seja nas Unidades básicas.

Meninas, esse compartilhamento de vivências de forma tão sincera é alimento para a chama que aquece corações. Uma chama que sinaliza para a esperança de que, apesar das adversidades (que não são pequenas, nem poucas) , é possível tocar, ouvir, interagir, de modos menos protocolares e mais acolhedores. 

O(s) relato(s) chega(m) em um momento no qual eu buscava 'respostas' para explicar muitas atitudes secas, frias, distantes, de profissionais que tratam as pessoas como 'leitos', 'casos', 'doentes', 'pacientes'. Vocês revelam a intensidade do ENCONTRO. Vocês foram AFETADAS e produziram AFETO(S).

Com respeito e admiração, 

Rejane.