O Som do Coração

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“A música é tudo que nos rodeia. Tudo que você tem que fazer é ouvir!”  Esta é a frase que agora me vem a cabeça; tomei-a emprestada de um belo e emocionante filme que chegou as telas dos cinemas em 2007,  do diretor Kirsten Sheridan, “O Som do Coração”.  Tornando-se inesquecível, principalmente para os amantes da  boa música. Por que tudo isso? O que me fez relembrar e pensar nesse filme? O que tem haver com que eu pretendo escrever numa cotidiana noite de plantão num Hospital Público, em que, aparentemente, está tudo calmo, se não fosse por 02 (duas) crianças que estão há mais de 48 horas esperando por 02 (dois) leitos em UTI neonatais em algum hospital desta cidade de Natal/RN, afinal elas só tem 01 (um) mês de vida.

Bem, este é o meu segundo plantão consecutivo, e hoje, pela madrugada, estava eu no repouso, era aproximadamente 04 horas, quando minha colega disse que “descera” 02 (duas) crianças da Pediatria para o Pronto Socorro por falta de um ponto de vácuo (primordial para aspirar secreção). As mesmas estavam com um diagnóstico de Coqueluche (doença essa imunizável, mas está ressurgindo com muita frequência), apresentando muita secreção, tosse produtiva persistente e com episódios de apnéia. Era preciso transferi-las para um local que pelo menos houvesse condições de atendê-las de uma forma aceitável.  Foi a única alternativa pensada naquele momento, para aquelas 02 (duas) criaturinhas de Deus sobreviverem. 

Estamos passando por momentos gritantes de descaso dos nossos gestores para com a saúde pública, seja a nível municipal ou estadual, da atenção básica a atenção terciária. Infelizmente, para nossos governantes, é mais importante  a construção de uma Arena das Dunas, que terá como palco a Copa do Mundo, do que as inúmeras vidas de pessoas que necessitam ser acolhidas, assistidas e cuidadas nas péssimas condições das nossas unidades de saúde, quer seja um Centro de Saúde, um Pronto Atendimento ou um Hospital.  A precariedade e o desprezo estão presentes em todas. Estamos sobrevivendo da boa vontade dos profissionais, que vêm sofrendo e adoecendo ao longo dos anos com tanta crueldade.

Bem, não quero enveredar tanto por esse campo, gostaria de falar sim, de um momento especial que vivenciei junto  a estas  meninas durante a minha ida ao Pronto Socorro naquela madrugada. Ao chegar ao local, vi 02 (dois) pequenos seres, em 02 (dois) bebês-conforto, em cima de uma cama.  A primeira, que denominarei Flora Maria, estava calminha, dormindo de camiseta rosa e lençóis com detalhes rosa com lindos desenhos infantis, usando Máscara de Venturi para facilitar a respiração; sua irmã gêmea, “Vida Maria”, estava angustiada, tossindo bastante, com cianose no rostinho, vestida de roupinha lilás (talvez para diferenciar da irmã),  em sua volta lençóis com detalhes da mesma cor.  Havia também 02 (duas) técnicas de enfermagem tentando ajudá-la; aspirando secreção, colocando oxigênio; no semblante de ambas o desejo de cuidar.  Ao lado, estava sua jovem mãe, com apenas 21 (vinte e um) anos de idade; primeiro parto, indefesa, aterrorizada com aquela cena, vendo seu bebê tão pequeno, tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, sem saber como ajudar, sem saber o que fazer, o que dizer, de “mãos atadas”, restava apenas rezar, e se confortar com uma irmã mais velha, que a amparava.

Ficamos nós todas, naquele pequeno quarto de hospital, durante o restante da madrugada, vendo o dia amanhecer, cuidando, zelando por aquelas 02 (duas) meninas. E aí, lembrei que a música é algo  mágico, divino.  Então comecei a cantarolar uma cantiga de ninar, música que, com certeza, minha mãe deve ter cantado para mim um dia, e que eu cantei para minha filha, e, que naquele momento, estava, eu, a cantar para aquela menina.  Parecia que existíamos apenas nós duas, eu e a pequena grande “Vida Maria”. Com uma das mãos eu colocava a Máscara de Venturi, ofertando oxigênio tão essencial, com a outra, afagava sua face, seus cabelos, sua fronte.  Assim, ela aos poucos foi adormecendo, fechando seus olhinhos, sorrindo com o sonho dos anjos.

Sai daquele cenário com uma mistura de sentimentos, de preocupação, mas também  com a alma leve, feliz por saber que aquele momento foi único, inimaginável, que deixei um pouco de mim naquela menina, e, que  na minha memória e no meu coração, esta cena jamais será esquecida.
Natal, 31de Agosto de 2012.
Meine Siomara Alcântara.