O morrer e a morte
E, no entanto, quanto menos dela falamos, mais dela cuidamos. Ela está presente em todos os nossos desejos, em todas as nossas esperanças. É com a perspectiva surda e muda de sua presença que projetamos nossa ruidosa ilusão. Há algo de sinistro no fato de que só conseguimos acolher a morte negando-a.
Parece que a infinita promessa de que tudo tem valor apenas por que nos leva a outra coisa, reina em nossa comunidade de consumo, em nossa sociedade de progresso e em nossa civilização de saque e colonização. Sonhamos acordados na fé cega de que nada vale em si mesmo, a menos que traga outra coisa, sempre melhor, sempre diferente.
A aceitação da morte e sua acolhida como a outra face amigável da vida, implica em que deixemos nossa verve infinitamente insaciável…
Estamos consumindo nosso ambiente, rompendo os elos que nos ligam a tudo mais que é vivo e tem espírito, ao custo de acelerarmos o fim de tudo o que representamos. Os humanos se tornaram senhores do mundo, e de forma transversal aliás, como é comum entre as infestações e pragas, vivemos engajados em provocar nossa própria extinção.
Acredito que tua postura, Erasmo, é irmanada ao que a temos de mais digno e belo. Podemos, ao aceitar a finitude da extensão de nossos instantes, mergulharmos na infinita altura e profundidade que partilhamos com o além do tempo e no coração do espírito das coisas que nos rodeiam?
A emergência da vida está intimamente ligada a natureza pontual das coisas que bailam soltas no espaço e compõem infindáveis formas e estruturas. Somos filhos da matéria que desprezamos. A consciência e a cognição são emergências iniciadas no íntimo das coisas.
Quando morremos e nos decompomos até cada partícula que nos contem e que contemos, nós retornamos a eternidade das coisas.
Tristemente não podemos desfrutar de uma morte escolhida, porque de fato a escolha é um fetiche, uma superstição feia. A comunhão sincera, a solidariedade, a empatia, a biofilia (o amor pelas coisas vivas) não implicam em escolha. Nossa ligação com o mundo é delineada pela solidariedade.
Não somos uma comunidade de escolhas, somos uma comunidade de destino. Estamos intrincados em uma cadeia de instantes que nos dão uma ilusão de continuidade e livre-arbítrio. Nosso mundo é mais como uma teia, uma rede de interconexões e não uma dicotomia entre sujeitos e objetos.
É por que vamos morrer que sabemos. E é porque sabemos que vamos morrer que poderíamos aceitar um sonho diferente. Talvez mais lúcido. Com certeza menos insaciável e mais reconciliado com o espirito que nos anima. O espírito habita as células e as máquinas. Está antes e além da soma efêmera de nossos instantes.
Não é que sejamos humanos porque sabemos que vamos morrer: Somos humanos porque como tudo o mais que há, podemos retornar e avançar no tempo ao nos religarmos a soma de pontos/ ondas que se reúnem para compor a vibração luminosa que finda com nossa morte.
E é preciso retornar as trevas para saber o que significou termos vivido…
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Marco,
Penso que podem haver escolhas, sim! Podemos olhar o mundo a partir de uma posição subjetiva ativa, no sentido que lhe dá Spinoza: apostando nas potências alegres e ativando-as em nós e no mundo ao nosso redor. Buscando produzir acontecimentos que façam uma diferença, mesmo que pequena, neste mundão.
beijo,
Iza