SUS precisa de meio seguro de financiamento

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Nesta semana o "Diário do Nordeste", que circula em Fortaleza, está publicando uma série de matérias sobre os 20 anos do SUS. Deixo com a rede matéria publicada dia 14/10 com uma entrevista do Ministro Temporão  trazendo uma análise precisa da conjuntura do SUS. Vale a pena ler.

Com 20 anos de história, o Sistema Único de Saúde (SUS) beneficia direta e indiretamente toda a população brasileira. São cerca de 150 milhões de pessoas que dependem exclusivamente do SUS para ter acesso aos serviços de saúde. No entanto, ainda são inúmeros entraves a serem superados para que a saúde pública consiga atingir a excelência e a satisfação dos usuários. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que é médico sanitarista, fala, com exclusividade, sobre os desafios, problemas e acertos do SUS.

Por que o Sistema Único de Saúde (SUS), com 20 anos de caminhada, ainda não conseguiu consolidar um dos seus princípios mais importantes, que é a universalização?

O SUS atinge direta e indiretamente toda a população brasileira. São cerca de 150 milhões de pessoas que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde para ter acesso aos serviços de saúde. Os demais, atendidos por planos privados de saúde, são beneficiados pelo SUS em diversos momentos, como nas campanhas de vacinação, que cobrem mais de 90% das crianças e 85% dos idosos; no resgate de urgência; no tratamento de alto custo; nos transplantes; na vigilância epidemiológica e na verificação da qualidade de medicamentos e alimentos. A universalização, portanto, é uma realidade que foi construída ao longo destes 20 anos do SUS. O que queremos agora é qualificar esse atendimento e preencher os vazios de alguns tipos de serviços que encontramos no País. Para isso, lançamos o Programa Mais Saúde, em dezembro de 2007, que deve promover uma grande mudança nessa atenção à população até 2011.

O SUS consegue atingir a excelência em áreas tão complexas e de custo alto, como os transplantes, mas não consegue dar conta e corresponder à altura na demanda da assistência básica, que é tão essencial. Como interferir nisso?

É verdade que temos alguns hospitais e centro de alta complexidade, como o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e o Instituto do Coração (Incor), que são referências, inclusive internacionais. Mas discordo da afirmação de que não correspondemos com o mesmo nível na atenção básica. Basta olharmos a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da Criança, onde se mostra de maneira muito clara o fantástico impacto da Saúde da Família na redução da mortalidade infantil e do percentual de óbitos em menores de cinco anos e na melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Somente este programa atinge mais de 90 milhões de pessoas. Veja que, nos últimos dez anos, houve a redução em mais de 50% da desnutrição das crianças menores de cinco anos. Nesse período, também tivemos uma queda de 44% na mortalidade infantil, o que tem indicado que iremos cumprir antes do tempo uma das Metas do Milênio, da Organização Mundial de Saúde (OMS), que trata do tema. A atenção básica é uma das peças fundamentais dessa conquista trazida pelo SUS.

A municipalização tornou os municípios responsáveis pela saúde local. No entanto, muitos ainda não assumiram a sua saúde e realizam políticas assistenciais como, por exemplo, a ´ambulância terapia´, levando para outro município problemas simples que poderiam ser resolvidos na atenção básica local. Como os governos, bem como o Ministério da Saúde podem atuar para combater este problema?

Atualmente, esta situação é praticamente um estereótipo, restrito a alguns poucos municípios brasileiros. A realidade do SUS é outra. Um dos pontos fortes da estrutura do Sistema Único de Saúde são as ferramentas de controle social, como os conselhos de saúde. Quanto mais consolidados esses mecanismos e a consciência da população sobre os seus direitos, menos haverá situações como essa. Além disso, o Ministério da Saúde vem desenvolvendo diversas estratégias, como estruturar redes integradas de saúde; e a referência e contra-referência, o que significa garantir uma atenção em todos os níveis de complexidade para a população. Situações como essa tratam-se de menos de uma questão da municipalização e mais de uma situação de políticas oportunistas que ainda existem, como o clientelismo.

A implantação do Sistema Único criou um cenário favorável para reverter quadros que eram muito ruins para o País, como a mortalidade infantil. Mas em contrapartida, surgiram outros desafios para a saúde, como o crescimento dos Acidentes Vascular Cerebral (AVC), da Aids e das neoplasias. Como o sistema deve se adaptar nesse cenário?

O País está passando por uma transição demográfica, como, por exemplo, o envelhecimento da população, o que afeta também a situação epidemiológica. O Brasil possui doenças da modernidade, de um país mais velho, mas, mantém aquelas chamadas do subdesenvolvimento. Mas estamos em uma situação bastante favorável, melhor do que outros países da América Latina. A aids está em um patamar estável, e o câncer tem uma rede de assistência e uma política que coordena o setor. Portanto, o SUS já acompanha de perto essa transição e tem capacidade para atender esses novos desafios.

O município de Fortaleza, por exemplo, afirma que os gastos com saúde na Capital ultrapassam o que determina a Emenda Constitucional Nº 29, que estabelece limite mínimo de aplicação em saúde de pelo menos 15% de suas receitas. Entretanto, ainda não são investimentos suficientes para garantir uma saúde de qualidade. Quais os problemas no financiamento do sistema de saúde?

O Sistema Único de Saúde vive um subfinanciamento crônico, o que pode comprometer a sua estrutura e funcionamento no médio e longo prazos. Uma das saídas está em discussão no Congresso Nacional: a regulamentação da Emenda Constitucional Nº 29. O texto definirá o que são os gastos da área de saúde, resultando em aproximadamente R$ 5 bilhões anuais para o setor, apenas na correta aplicação dos recursos estaduais. Além disso, definirá um novo patamar de desembolso da União, o que deve precisar ocorrer com a indicação de uma fonte de recursos. É importante ressaltar, no entanto, que o aumento do financiamento também deve ser acompanhado com a melhoria da gestão do sistema. Ou seja, é preciso gastar mais e melhor. Apenas para dar um exemplo, em 2005, segundo recente pesquisa publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a despesa de consumo final com bens e serviços de saúde foi de R$ 171,6 bilhões – 8,0% do Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, as famílias brasileiras gastaram R$ 103,2 bilhões e a administração pública gastou somente R$ 66,6 bilhões no período.

Os organismos internacionais já não são mais tão atuantes como antes quanto ao financiamento de projetos no Brasil, porque afirmam que não é mais um País pobre, mas com desigualdades sociais graves.

Os organismos internacionais continuam sendo importantes parceiros na busca por soluções adequadas para a saúde da população brasileira.

O fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) trouxe um novo cenário para a saúde. Como é que o Governo está compensando a falta dessa receita? Atrelar a saúde a impostos dessa natureza é positivo para o País?

Somente a partir da CPMF, a saúde teve uma fonte estável de financiamento. No ano passado, ela representava cerca de 40% do orçamento de R$ 48 bilhões do Ministério da Saúde. Até 2011, o governo Federal planejava aumentar em R$ 24 bilhões a parcela da CPMF no financiamento da saúde. Quando o Congresso reprovou o projeto, o plano de investimento foi adiado e os recursos do orçamento atual tiveram de ser complementados por outras fontes do governo Federal. Para funcionar adequadamente, o SUS precisa de um meio seguro de financiamento, para manter os profissionais e unidades, além da compra de materiais, e fazer novos investimentos. Por isso, é importante uma discussão com responsabilidade da regulamentação da Emenda Constitucional Nº 29 e financiamento da saúde.

Como o senhor avalia o papel do SUS no processo de desenvolvimento do Brasil?

O SUS é um sistema jovem, são 20 anos, e os ganhos são incontestáveis. Ainda temos fragilidades. No País, há muita desigualdade. Praticamente metade da população brasileira tem um padrão de renda baixo. Isso significa que nós temos de aperfeiçoar esse sistema. É impensável pensar no desenvolvimento do Brasil sem um sistema de saúde de qualidade. Nós, gestores de saúde, profissionais, cidadãos brasileiros construímos esse sistema cotidianamente. Se a sociedade brasileira quer realmente fortalecer o Sistema Único de Saúde, teremos que resolver a questão do financiamento, ampliar a cobertura e os serviços e modificar a atual gestão do sistema de saúde.

Qual o principal desafio prático do SUS? O senhor poderia apontar as vitórias do sistema de saúde pública nos últimos 20 anos?

O SUS é um sistema que avança e vem colhendo conquistas significativas. A cobertura da Estratégia do Saúde da Família, o programa de AIDS, o programa de imunizações, o programa de transplantes – o Brasil é o segundo País do mundo em número de transplantes de órgãos- são exemplos do sucesso do Sistema Único de Saúde. Por outro lado, os obstáculos são de dois tipos. Um é a questão do financiamento. Outro é a gestão. Nós temos que melhorar a qualidade do gasto e encontrar arranjos e estratégias institucionais, que permitam usar melhor os recursos existentes. Uma das respostas para esse gargalo é o projeto de lei que cria as fundações estatais. Para os hospitais públicos, são estruturas mais dinâmicas, com concurso para contratação de pessoal em regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e formas de licitação para compra de materiais e equipamentos, com mais agilidade e rapidez. Atenderá ao interesse estritamente público, por meio de contrato que estabelece quantidade de atendimentos e qualidade do serviço. Eu, que acompanhei desde o início o sistema, diria que, mesmo percebendo muitas deficiências e fragilidades, avançamos muito durante esse período e temos respostas adequadas para as dificuldades que pudemos observar ao longo desses anos.

PAOLA VASCONCELOS
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste