A filantropia a serviço do SUS

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Leia abaixo artigo publicado nesta quinta-feira (6) no jornal Gazeta Mercantil sobre a iniciativa do Ministério da Saúde de conceder certificado de filantropia a hospitais privados em troca de pacotes de serviços ao SUS.

A filantropia a serviço do SUS
Alberto Beltrame*

A Constituição de 1988, que há 20 anos criou o Sistema Único de Saúde (SUS), define, em seu artigo 196, que saúde é direito de todos e dever do Estado. A Carta estabelece que o SUS deve prestar atenção universal, integral e equânime aos cidadãos. Ao longo desses 20 anos, o Ministério da Saúde, em parceria com os estados e os municípios, tem trabalhado para aperfeiçoar nosso sistema de saúde e garantir esta que é uma das maiores conquistas do povo brasileiro.

As instâncias estaduais e municipais do SUS, mesmo com suas limitações estruturais e orçamentárias, prestam um importante serviço ao disponibilizar suas redes assistenciais a todos os cidadãos, sem qualquer tipo de distinção. O mesmo pode ser dito dos hospitais filantrópicos que destinam 60% de seus serviços aos usuários do SUS em contrapartida à isenção de impostos de que gozam.

Há, no entanto, uma distorção que precisa ser eliminada. Ela se refere aos hospitais filantrópicos que, como contrapartida à isenção das contribuições sociais, destinam 20% de sua receita ao atendimento gratuito. Esses estabelecimentos, apesar da filantropia que exercem, não são vinculados ao SUS. Esta modalidade de prestação de serviços, além de não ser regulada pelo SUS – os próprios hospitais podem definir quem atender – é de difícil controle, abre espaço para o atendimento de clientela cativa e direcionada e ainda nos remete ao antigo conceito de atendimento a “indigentes”, o que contraria diretamente os princípios da universalidade e equidade preconizados pelo SUS.

Diante desse quadro e na fiel observância a esses princípios, o Ministério da Saúde colocará em prática, ainda este ano, as diretrizes do Decreto 5. 895, de agosto de 2006, que cria mecanismos para que esses hospitais filantrópicos ajustem seus serviços às necessidades do SUS mediante vínculo formal com o sistema público.

Além de inserirem-se formalmente no SUS, os hospitais terão estabelecidos claramente o objeto dos serviços a serem prestados, metas quantitativas e qualitativas a serem atingidas, mecanismos de acompanhamento, controle e auditoria, conferindo transparência a todo o processo.

Os estabelecimentos que aderirem à nova modalidade poderão desenvolver atividades de apoio ao SUS como estudos de avaliação e incorporação de tecnologias; capacitação de recursos humanos; pesquisas de interesse público; e desenvolvimento de técnicas e operação de gestão em serviços de saúde.

Com isso, busca-se modernizar os serviços de saúde permitindo que instituições filantrópicas conceituadas nacional e internacionalmente transfiram conhecimento e experiência no preparo de equipes e na gestão de unidades do setor público. Dessa forma, o SUS ganhará em qualificação da gestão de seus serviços, recursos humanos e de sua capacidade científica.

Essas ações representam ganho total para o cidadão, já que não há possibilidade de que ocorra qualquer tipo de prejuízo para quem precisa do SUS. O próprio Decreto proíbe que os hospitais reduzam o volume de consultas, exames e cirurgias e outros procedimentos hoje já ofertados. A garantia está explícita no parágrafo 22º do artigo 3º, que diz: “A participação de instituições de saúde em projetos de apoio previstos no § 17 não poderá ocorrer em prejuízo de atividades assistenciais prestadas ao SUS”. Estes serviços, no entanto, terão um diferencial em relação à prática atual, uma vez que passarão a ser regulados pelo SUS, garantindo acesso aos cidadãos encaminhados pelas redes públicas estaduais e municipais.

Todo este processo,além dos evidentes ganhos para o SUS, lança
luz sobre as atividades filantrópicas. Essas atividades passam a ser formalmente contratadas, acompanhadas e controladas, sendo objeto de relatórios semestrais que serão avaliados pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo das atribuições dos órgãos de fiscalização tributária e previdenciária. A comprovação de serviços deixará de ser apenas uma demonstração contábil, passando a ser medida por metas e resultados, o que traz ainda mais transparência ao processo.

No ano em que o SUS completa 20 anos de existência, essa é uma mudança que desenhará um novo cenário para o setor de saúde brasileiro, que será mais justo e colaborativo.
 

*Médico, administrador hospitalar e diretor do Departamento de
Atenção Especializada do Ministério da Saúde