Política de Saúde no Brasil e nos EUA

8 votos

“Sicko – S.O.S. Saúde” do Diretor Michael Moore, onde é apresentado um panorama sobre o sistema de saúde pública nos Estados Unidos da América.

A grande questão em “Sicko” é o grau de consistência do comportamento do eleitorado em relação às questões de saúde em uma sociedade democrática, individualista e paradoxalmente muito controlada como é a norte americana. Temos que pensar sobre isto porque o Brasil caminha para imitar o modelo social dos EUA em alguns de seus piores aspectos. A capacidade das grandes corporações econômicas (além do crime organizado) de influenciar na composição das forças partidárias no congresso e as eleições para o executivo é preocupante.

O sistema democrático sustenta-se no pressuposto de que os cidadãos são capazes de tomar decisões racionais bem informadas na direção de seus interesses imediatos e no do bem comum. Bem, na sociedade do espetáculo, da propaganda e da imagem o comportamento racional é bastante relativo. Instintos muito básicos são acionados quando as pessoas decidem o que, quando, e onde consumir. Para decidir em quem votar, qual projeto de gestão da coisa pública é o mais adequado, percebemos que os eleitores se sentem inseguros para avaliar uma gama enorme de informações e variáveis complexas. Então, cada vez mais, pesquisas de perfil e de opinião são aplicadas nas disputas eleitorais com uma lógica muito próxima a das empresas que buscam vender produtos de consumo.

 Na sociedade americana o padrão de vida é dado pelo potencial de consumo dos indivíduos. Vencedores são os que fazem parte da classe média alta e os ricos. É muito forte o mito de que àqueles que passam por dificuldades econômicas são perdedores. Ou seja, sua condição é o próprio estigma identitário que os define: são responsáveis por sua pobreza. Ela é sua vergonha e seu lugar na ordem social simultaneamente. Os perdedores não têm planos de saúde ou a possibilidade de pagar pelos procedimentos que os planos não cobrem.

No Brasil optamos por um sistema de proteção social que é universal em termos jurídicos, porém excludente na prática. O direito é da população e o dever é do Estado. Seja na saúde, seja na educação nosso grande desafio é de garantir o acesso e a qualidade no atendimento a população. Esta condição – serviços públicos eficientes – seria necessária para nos desenvolvermos economicamente segundo os mais progressistas. Para os conservadores teríamos que ser desenvolvidos, ou seja, ricos para provermos na prática os direitos que as leis nos garantem. Nas palavras de Delfim Neto “a constituição brasileira não cabe em nosso PIB – Produto Interno Bruto”, em outras palavras, todas as riquezas produzidas no país não são suficientes para pagar os custos de nosso Estado de proteção social, incluído aí o SUS. Mas aí temos um circulo vicioso. Não somos desenvolvidos por que não podemos nos desenvolver por que não somos… A questão é como melhorarmos nosso Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – a partir de nossas condições sociais atuais.

Independentemente das condições ideais para o desenvolvimento de uma sociedade em termos culturais e econômicos o Brasil tem indicadores sociais em movimento ascendente: expectativa de vida, mortalidade infantil, índice de analfabetismo. Tudo tem melhorado. Isto é resultado do esforço pela construção de nossos sistemas públicos de saúde, educação e renda mínima apesar da corrupção que drena recursos em todas as esferas do poder público. Espero que possamos celebrar nossas virtudes e afirmar os valores sociais que transformamos em norma constitucional.

Para esta consolidação democrática e civilizatória precisaremos vencer o obstáculo da espetacularização dos processos eleitorais impondo a questão da saúde como uma variável importante na hora de definição do voto. Mais do que isso, consolidar o SUS como política de Estado e deixar de fazer do atendimento à saúde uma moeda de troca para manutenção de currais eleitorais e troca de favores.

O peso da imagem midiática e da propaganda na hora da definição do voto pode ser diminuído com regras claras para o financiamento das campanhas, mas não pode por si só eliminar a força das corporações, como se vê no filme de Michael Moore. Mesmo sendo público e notório o envolvimento dos seguros de saúde no financiamento das campanhas dos parlamentares norte-americanos, o preconceito contra a política de saúde estatal incutido ao longo de décadas no imaginário coletivo americano impede que os eleitores exijam de seus representantes a ampliação da atenção pública em saúde naquele país.

Os eleitores continuarão em médio e longo prazo a decidir seu voto com base em critérios pouco racionais, ou no mínimo sem disporem do conjunto de informações capaz de responder a complexidade representada pelo voto em uma democracia. Dependerá muito dos servidores públicos comprometidos e bem informados que tem no Estado seu meio de vida e em suas carreiras seu objeto de realização pessoal, a consolidação do sistema de saúde pública brasileiro.

Para isso temos que reconhecer tanto as iniqüidades do SUS quanto seus êxitos. Combater as primeiras e celebrar publicamente os segundos é um bom remédio. Assistindo ao documentário de Michael Moore podemos nos orgulhar de nossa história recente. Desde os anos sessenta, passando pela luta contra a ditadura militar, a luta pela reforma sanitária, a luta contra o desvirtuamento do SUS nos anos 80 e 90 e o Programa Nacional de Humanização do SUS nos governos Lula, percebemos a chance de transformar as normas e princípios constitucionais e políticas de Estado que não oscilem ao sabor das mudanças de governo.

Além disso, espero que o presidente Obama, recém eleito, se inspire em nosso exemplo para ampliar o sistema de saúde publica americano na direção de um SUS nos moldes do que temos no Brasil.