Experiências fantásticas de humanização em Fortaleza
Os autores que se classificaram em terceiro lugar nas três categorias de trabalhos apresentados na da III Mostra Nacional de Produção em Saúde da Família foram contemplados com visitas ao sistema municipal de saúde de Fortaleza.
Considerou-se interessante blogar as impressões desta viagem neste espaço para divulgar experiências fantásticas como essa.
Os premiados Denise, Fernando (psicólogos de São Paulo, representando um grupo de oito autores), Rosilene (ACS de Campinas) e Sônia (Psiquiatra de Florianópolis) foram muito bem recebidos pelos cearenses. Estes preparam cuidadosamente uma programação para conhecer as principais atividades do Sistema de Saúde de Fortaleza.
Eles foram acompanhados pela Rosani, do Ministério da Saúde, que conhecia os locais, a maioria dos profissionais, por ter trabalhado por 1 ano e meio em Fortaleza.
Os visitantes ficaram encantados com as experiências, principalmente com as vitórias obtidas através da participação popular. Diante das precárias condições dos serviços de saúde, apesar dos esforços da atual prefeita Luizianne Lins (PT), a qual inclusive foi reeleita pelo reconhecimento de seu bom trabalho, a população se uniu e conquistou espaços para diálogos entre profissionais de saúde, usuários e pessoas de outros setores, como as instituições religiosas e de cuidados para a saúde de maneira holística, indo além do modelo médico centrado. Os cearenses juntam arte e bom humor com educação e saúde. Falam de maneira apaixonada sobre suas ações, não somente pelo orgulho do que constroem, mas para divulgarem seu trabalho em outras regiões com poucos recursos financeiros e grande potencial criador.
Fortaleza é dividida em 6 regionais, das quais foram visitadas a 4 e a 6. A 6 é maior e possui prédios recém-inagurados pela prefeitura.
Foi visitado o CAPS Ad. Seus funcionários são engajados em estreitar a relação com a Atenção Primária, através do matriciamento, para que os acompanhamentos tenham uma maior resolutividade.
O Sistema Municipal de Saúde Escola foi apresentado aos visitantes. Trata-se de uma proposta admirável que junta assistência, pesquisa e ensino, aproximando a universidade, comumente distante dos serviços de saúde. Eles consideraram muito interessante a inserção de alunos de graduação na Atenção Primária à Saúde, de incentivo para que os profissionais façam especialização em Saúde da Família, inclusive do CAPS e a possibilidade de se tornarem preceptores. Chamou-lhes muito a atenção a possibilidade de um trabalho interdisciplinar, o que possibilita um olhar mais voltado para a promoção da saúde.
Houve uma apresentação dos trabalhos premiados e uma rica troca de experiências entre os diversos profissionais.
Os visitantes tiveram oportunidade de conhecer o Movimento da Saúde Mental do Bom Jardim, parceiro do CAPS do Bom Jardim. Localiza-se na periferia de Fortaleza e é uma das regiões mais perigosas da cidade. É um lugar encantador e aconchegante, onde militantes lutam pela cidadania e pela possibilidade de conseguir uma boa formação e um emprego. Oferecem cursos de música, teatro, uma biblioteca pública e um cursinho pré-vestibular, com apoio de universidades. Há atividades que vêem os usuários de maneira integral, através de técnicas alternativas como a terapia comunitária, o Reiki, a acupuntura e a yoga. Este movimento começou através do Rino, um padre italiano, simpaticíssimo, que recebeu muito bem os visitantes. O padre mora na sede do Movimento e tem uma visão ampla, buscando uma sociedade mais justa como um todo, sendo apoiador de outros movimentos que busquem a igualdade, como pela reforma agrária.
Os visitantes acompanharam o espaço de diálogo no CSF Edmilson Pinheiro entre profissionais do serviço e população, no qual há possibilidade de os usuários colocarem suas satisfações e reclamações aos funcionários do serviço, como as longas filas de espera e poucas consultas de pré-natal e para os profissionais exporem suas dificuldades, o que proporciona compreensão mútua e busca de soluções conjuntas. Neste dia, as atividades começaram através de atividades culturais realizadas pelos cirandeiros, de músicas, brincadeiras e atividades corporais, que tornaram o ambiente muito agradável. Houve, além disso, explicações e esclarecimentos de dúvidas sobre problemas ginecológicos, para os quais pôde-se perceber uma preocupação e empenho dos profissionais com a saúde da população. No entanto, observou-se dificuldades em adaptar a linguagem técnica médico-científica com a popular e em pensar cuidados em saúde, diante da dificuldade em realizar exames periódicos, como o de mamografia, pelo seu alto preço, e do fetiche da sociedade no geral que supervaloriza exames e medicamentos em relação a outros formas de se cuidar. Denise considera que seria interessante haver uma articulação também entre serviços especializados em DST/aids e a Atenção Primária, principalmente pelos presentes serem em sua maioria mulheres acima dos 35 anos, para as quais a epidemia tem aumentado.
Chamou bastante a atenção dos visitantes a experiência de rodas do CSF Turbay Barreira, as quais refletem e promovem o envolvimento e integração dos profissionais com o serviço. Há rodas semanais, nas quais há discussões administrativas, troca de conhecimentos e um espaço terapêutico, para que os próprios profissionais possam cuidar de si, através do compartilhamento de dificuldades do dia-a-dia. Destaca-se um trabalho que fizeram e será apresentado em Brasília, inclusive, de recolher lixo reciclável e com sua venda, formarem uma biblioteca, uma ação que preza pela saúde da comunidade vista em conjunto com o meio ambiente e ampliando o modelo de saúde e doença, biomédico, presente na maioria dos serviços. A gestora é carismática e enérgica, tão empenhada no trabalho que abriu mão de suas férias para reivindicar salários atrasados de profissionais. Por se tratar de um serviço escola, há residentes que ajudam a lidar com a falta de médicos, além de ser uma ótima formação e possibilitar um apaixonamento para que continuem a atuar no SUS.
Outras dificuldades foram observadas na UBS da região do Jangurussu SER VI. Sua estrutura física é muito ruim, pouco ventilada e há um amontoamento de pessoas, por ser apertada. Apesar disso, observa-se um engajamento para manter um bom atendimento, como o da nutricionista que está na atual coordenação e da ACS que apresentou o serviço para os visitantes.
A prefeitura construiu duas Ocas, ao lado desta UBS, cujos espaços contrastam por serem maravilhosos! É bem ventilado, perfumado por ervas, bem iluminado e decorado refletindo as raízes brasileiras indígenas. Fátima, sua coordenadora, organiza as atividades. Infelizmente, o esforço da prefeitura parou na entrega do prédio, pois a manutenção é realizada pelos usuários, por exemplo, na compra de água e materiais de limpeza. Fátima é extremamente afetiva e animada. Procura estimular o espírito de solidariedade, como na divisão de alimentos para aqueles que passam o dia na Oca, indo na contramão da atual sociedade neoliberal. Nesse espaço há terapia comunitária, um espaço de conversa sobre as angústias do dia-a-dia.
Foi observada uma sessão de terapia comunitária na Comunidade do Pirambu – SER I. Seu espaço é tão bom quanto o da Oca citada. É bem ventilada, com hortas medicinais de conhecimento popular. Recebe muitos visitantes estrangeiros, que estagiam em seu espaço e buscam aprender a técnica. A sessão observada foi realizada por um desses estagiários, que falava bem o português. Houve dificuldades em lidar com angústias de diversas pessoas em pouco tempo, especialmente por muitas pessoas não se conhecerem entre si. Denise observa que atividades mais intimistas, com maior freqüência e entre conhecidos seriam mais interessantes para que pudessem expor seus problemas e ouvirem uns aos outros, pois percebeu que alguns usuários saíram angustiados da “sessão”. Ainda, considera que a coordenação de psicólogos seria muito interessante para esse tipo de atividade, por serem formados para lidar com o sofrimento mental.
Uma outra iniciativa comunitária que recebe apoio de diversas instituições, entre elas o Ministério da Saúde e do Trabalho, é o Banco Palmas, o qual busca valorizar as comunidades e manter suas riquezas, para que todos possam crescer juntos, criando um espírito de coletividade. Diferentemente de outros bancos, seus coordenadores se preocupam com a autonomia e o crescimento dos moradores da região, destacando-se pequenos empreendedores.
Os visitantes tiveram oportunidade de conhecer o ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, que proporciona atividades artísticas para jovens de um bairro da periferia. Eles buscam problematizar o contexto em que vivem e superarem suas dificuldades. Buscam, através de parcerias, lidar com as dificuldades financeiras, por exemplo, a formação de uma biblioteca e de cursinho pré-vestibular. Os jovens que receberam os visitantes enfatizam o espírito crítico que procuram manter no espaço, a reflexão sobre sua condição e sobre as atividades que realizam.
Paulo, um jovem que acabou de ingressar no curso de pedagogia, inspirado em Paulo Freire e na pedagogia da autonomia, destaca que as atividades culturais respeitam os desejos dos usuários, são flexíveis para mudarem de acordo com os grupos, por exemplo, diversificam-se entre teatro, dança, grafite e tambor. Buscam resgatar as raízes da população e serem cheias de conteúdo, não atividades vazias, como festas de forró, feitas para turistas. Segundo ele, essas atividades “não educam, só canducam”.
Apresentam dificuldades para divulgar seu trabalho, por exemplo, a rádio que tinham foi fechada. Destacam que as atuais rádios são relacionadas com políticos, o que eles não gostariam de fazer por desvirtuar o movimento. Por essas razões, realizam a divulgação de sua riqueza cultural através dos meios possíveis, como a Internet, através dos sites https://www.banqueteliterario.blogger.com.br/ ,
https://www.grupoescuta.blogspot.com/ e de divulgação de vídeos no YouTube, como https://www.youtube.com/watch?v=dmOVZqkv7QQ .
Como finalização da visita, foram para a Mostra Cirandas da Vida, onde os cirandeiros se reuniram na Universidade Estadual do Ceará – UECE. Há duas ocas nesse espaço, que oferece atividades holísticas como massoterapia e Reiki. Diversos cirandeiros e outros representantes do movimento popular estavam presentes e animados para divulgarem suas lindas experiências, com música e palhaçadas. Nesse dia, alguns receberam diplomas de palhaço e/ou de mestres em Reiki. Todos os que realizam as atividades são voluntários, como contrapartida da formação que receberam nesse mesmo espaço.
Por Sonia Mara de Fatima Ferreira
Denise, que maravilhoso relato voce nos traz com esta visita, ACS divulgando seu trabalho e saber, valorizando sua categoria, e quando falas do PSF compartilhando com a rede nos faz refletir e repensar saúde, este realmente é o SUS que dá certo, parabens a todos de Fortaleza, gostara muito de conhecer e trocar com estes trabalhadores e usuários.