RHS, a Esfera Pública e o Espaço Público.

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Proponho uma leitura da RHS numa visada sobre a distinção entre o espaço público e a esfera pública institucional. Tem algo a ver com patrimonialismo e setor privado, segundo minha forma de pensar.

Já nos demos conta de que uma parcela da privatização dos bens de civilização, que são mais do que os bens públicos do Estado, e que incluem eles com certeza, pode ser feita de diversas formas.

Privatizar é uma forma de apropriação indevida, uma vez que se pode ser privatizado é porque é público em princípio. Então, é enganoso pensar que o debate sobre o público e o privado se esgote na definição do que seja estatal ou não estatal. Essencialmente por que os recursos para a iniciativa privada tem sempre origem em bens intangíveis que são bens coletivos ou de civilização.

A forma de disputa de capital simbólico no meio acadêmico, nos termos descritos por Pierre Bourdieu é uma forma de privatização de um bem cultural, outro bem de civilização – que por uma questão ética – não pertence a ninguém, mas a todos e apenas de forma coletiva. Ninguém pode ser dono de uma ideia. Uma vez que somos os veículos do pensamento mais do que seus meros edificadores. Para deixar isto bem explícito, creio eu, é que servem as citações, não é mesmo?

Assim, todos os benefícios que emergem da retenção ou da reivindicação de autoridade para um determinado campo de aplicação de um saber só deve ser justificado em nome da produção do bem comum. Portanto, quanto mais este benefício for discutido, concedido e/ou debatido em público, melhor.

O que tenho dito reiteradas vezes, é que o Espaço Institucional da RHS é diferente da rede. É menos do que ela. Mas vai sempre tentar ser mais do que ela. Sobrepor-se e direcionar a imprevisível dinâmica das interações humanas.

Não se trata de discutir a relevância da RHS como dispositivo da PNH. Todo o SUS foi pensado para ser operacional por meio da interconexão de redes. Mesmo antes de sonharmos com a internet.

Trata-se de apontar o óbvio. O que a RHS, é do ponto de vista institucional, não pode ser muito diferente do que Antônio Gramsci chamou de aparelho, não certamente o Ideológico do Estado (embora alguns reacionários possam afirmar justamente isso). Mas um "aparelho" institucional, uma depressão no tecido do espaço tempo social por onde fluem diversos tipos de capitais. Recursos como dinheiro e outros tipos de valores intercambiáveis, como prestígio, que determinam lugares de ascendência e submissão.

Não é o caso de argumentar que ela seja parte de uma política pública de Estado. Mais do que uma política de governo, portanto. Consta que já existiram, e existem muitas políticas de Estado que foram capturadas por interesses patrimonialistas, corporativistas e de oligarquias poderosas. O exemplo gritante é a política de branqueamento de nossa nação através da concessão de títulos de propriedade da terra a imigrantes europeus, em detrimento de nossa população de ex-escravos e indígenas.

Ocorreu. Pode ocorrer de novo. Está ocorrendo.

Não importa o que as pessoas que constituem a RHS desejem, seja num nível mais horizontal, ou num nível mais central.

Tem mais a ver com as urgências do campo de disputa de capital simbólico em que a RHS se insere: O campo do serviço público e do saber academicamente sancionado.

Há várias formas de desqualificar meu argumento. Pode-se questionar o lugar de onde falo. Ou então os autores que me assistem e com os quais dialogo. Mas morde a língua quem renega os micro poderes e a força da luta imemorial por prestígio e autoridade. A política é uma extensão da guerra assim como a diplomacia é um antecedente e uma sucessora de qualquer conflito.

Perguntar o que exatamente queremos dizer com isso ou com aquilo é uma forma de buscar ou exigir um consenso que de alguma forma só se mantem pela autoridade. Algo como: Ouse tentar esclarecer seu ponto de vista e eu o desmonto a luz de uma autoridade superior a nós dois. Na guerra é a força bruta; nos negócios, o dinheiro; num debate teórico, a sabedoria metódica e convencional estabelecida pela academia.

Nos meus textos tenho tentado demonstrar que o método científico é extremamente eficaz. Pode muito. Seu efeito derradeiro para nós será nossa obsolescência. O que podemos preservar da humanidade em minha opinião não deve ser criado. É o que temos de preservar e relembrar de um passado que teimamos em esquecer.

Não é que a liberdade espontânea seja sempre a melhor das coisas. No extremo ela é simples anarquismo.

A questão é que a marcha alucinada em direção ao progresso e ao inovador é uma camuflagem para o impulso que temos de levar tudo a uma conclusão, a um fim. Como se tudo pudesse sempre ser deixado para trás. Como se os recomeços pudessem ser infinitos. Não. Em algum momento a humanidade será esquecida.

Não vejo como acelerar isso seja do nosso interesse. Prefiro algo de uma abertura que seja no formato mais comunitário, forjado em acordos e alianças menos rígidas do ponto de vista hegemônico (que no momento não é mais do que uma fé irracional na razão) e mais abertas, menos institucionais e mais informais. Conservadoras, portanto.

Um acordo entre visões opostas, a possibilidade de um modo de viver mais tolerante não é um empreendimento de fé racional. A razão é uma serva atormentada da vontade, como já se escreveu.

A Verdade embora tenha sido glorificada, tem pouco a ver com os arranjos que permitem a replicação da vida, dos humanos e de suas sociedades. O uso exclusivo da lógica racional não pode engendrar a tolerância. Na obstinação de aproximar-se da Verdade, os sistemas lógicos se afastam da vida.

O que define a extinção do amor, da amizade é reiteradamente o cálculo racional. Se algo é considerado plenamente explicado e despido de mistério está, igualmente morto. Se alguém encontrar uma razão Verdadeira para que eu ame minha esposa, terá causado o fim do mistério que sela nossa aliança.

Neste sentido é que alianças de tolerância à diversidade de modos de ser é mais do que um empreendimento racional. Preservar é algo da ordem da manutenção e do cuidado, da conservação. A incessante refinação dos conceitos, a sucessão interminável de nomes para os valores não os transforma. Apenas os torna mais confusos.

Talvez esteja quase sem companhia neste argumento. Mas que fazer? Certamente ler mais, estudar mais e dialogar mais. Ir aonde o pensamento nos leve. Sabendo que há uma diferença entre alimentar a família e viajar pelo mundo. Uma diferença entre prestígio e sobrevivência. Este tipo de assimetria é que silencia o debate e impede que a maioria escreva o que diz a boca pequena.

Este equilíbrio entre a tradição conservadora e tolerante das antigas comunidades humanas e a abertura pragmática para o novo, este credo no progresso racional que é hegemônico nos dias de hoje é um desafio titânico.

Não é que tenha existido uma era idílica a ser restaurada. Sempre fomos predadores insaciáveis. Acontece que as tecnologias nos equipam para o bem e para o mau. Numa vertiginosa aceleração de nossas potências não podemos nos eximir do risco de nos arrebentarmos. Da mesma forma que milhões de pessoas tem se destruído ao pilotar veículos que multiplicam sua velocidade de forma alucinante.

Enfim, não podemos ter certeza de qual alternativa é a melhor. Então temos que ser tolerantes com as dissonâncias que não sejam fascistas, que não sejam reducionistas.

Sem uma gravidade que nos aproxime, que crie uma atmosfera habitável, o simples sopro de nossa voz, se fosse possível, nos faria voar uns para longe dos outros em direção ao vazio do vácuo espacial.

Um pouco de ceticismo, se não eu sufoco.