A Educação e a reprodução da Desigualdade Econômica
As perspectivas de inserção econômica da comunidade onde dou aulas são tão precárias, quanto o modelo de inclusão social que lhe é endereçado. Neste aspecto, os conjuntos de saberes que são mobilizados pelos núcleos familiares matrilineares, de onde vêm nossos alunos, são pré-escolares e tem referência em uma cultura em permanente instabilidade.
São muitas mulheres sustentando famílias em um padrão de consumo permitido por remuneração no mundo dos trabalhos em torno de um salário mínimo e meio. Quando um casal pode trabalhar para cuidar dos filhos, mesmo quando avó e mãe trabalham para sustentar os filhos a renda duplica. É aí que as crianças podem ostentar mais bens de consumo como celulares, tatuagens, bonés, tênis, aparelhos odontológicos e ter computador e acesso a internet em casa.
No entanto, as crianças tem um problema sério. Tem internet em casa, mas não tem adulto para supervisionar o uso da mesma. Podem ir à escola, mas tem de cuidar de irmãos mais novos. Na maior parte dos dias no contra-turno, porém eventualmente e frequentemente no turno escolar.
Ou seja, a melhoria do padrão econômico do núcleo familiar implica em vulnerabilidade e absenteísmo escolar. Seja para cuidar de irmãos, como descrevi acima. Mas também para realizar a iniciação sexual nas manhãs ou tardes em que os pais supõem que os filhos estejam na escola.
Embora o índice de gravidez na adolescência seja descendente, a prevalência ainda é mais alta nos bairros de Porto Alegre, como este em que dou aulas.
Minha sensação em relação a estes dois tópicos pode ser melhor expressada pela hipótese avançada por Dayrell ao afirmar que,
"Ao buscar compreender essa realidade, um primeiro passo é constatar que a relação da juventude com a escola não se explica em si mesma: o problema não se reduz nem apenas aos jovens, nem apenas à escola, como as análises lineares tendem a conceber. Tenho como hipótese que as tensões e os desafios existentes na relação atual da juventude com a escola são expressões de mutações profundas que vêm ocorrendo na sociedade ocidental."
Tanto no aspecto da desigualdade econômica quanto da diversidade cultural, a escola passa, na pós-modernidade, a ser impactada pelos processos sociais.
No início da modernidade a escola surgia como forte elemento de difusão dos valores iluministas, de uniformização das diversas formas e modos de ser como linguagem e religiosidade em torno da formação do Estado nação.
Parece-me que hoje a escola é uma quase coadjuvante no processo de intensas revoluções na difusão e no acesso ao conhecimento. Para as classes pobres e médias o perigo é a reprodução de populações econômica e culturalmente irrelevantes. Incapacitadas para a inclusão na sociedade do conhecimento e dispensadas das funções anteriormente ocupadas pelo proletariado.
Com a automatização da produção o mercado de trabalho, se aquece na área de prestação de serviços e cuidado. Neste mercado de trabalho a ênfase é em habilidades para as capacidades intersubjetivas ligadas ao trabalho imaterial. Considerando que há um saber imemorial acumulado em nossas diversas culturas, meu debate seguirá na direção de buscar alternativas a inclusão da pluralidade de capacidades e habilidades humanas não sujeitas as onipresentes regras de mercado.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Penso que a inclusão digital pode vir a ser um fator de democratização dos saberes para todos.
Iza