18 de maio: Dia Nacional de Luta Antimanicomial. Novos muros, velhos alicerces.

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A maior missão dos dispositivos inventados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira sempre foi desconstruir o modelo manicomial. Mas quando falamos em desconstruir o manicômio, não falamos apenas em desconstruir os edifícios, mas, sobretudo, a mentalidade manicomial, ou o modo manicomial de compreender. 

 

Isso quer dizer que, mais do que criar uma instituição em substituição à outra, o que se pretende é uma mudança de paradigma, uma mudança na maneira olhar as nossas loucuras ou doenças mentais, uma mudança na concepção de tratamento e cuidado, e a desconstrução de um princípio tradicional e clássico no tratamento das enfermidades mentais: de que é preciso isolar para tratar. E foi para isso que os manicômios criaram seus muros.

O dia 18 de Maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, nasceu no histórico Encontro dos Trabalhadores de Saúde Mental em Bauru (SP), em 1987, e o lema escolhido para marcar e reafirmar o sentido de sua existência foi “Por uma sociedade sem manicômios”. O sentido dessa luta era, portanto, desconstruir o modelo manicomial, ou seja, desconstruir os muros.

Desde esta data histórica, muita coisa mudou no campo das Políticas de Saúde Mental. Grande parte dos manicômios foram fechados e os que restaram tiveram que reduzir significativamente seus leitos, além de serem obrigados a cumprir normas de humanização, atendimento e funcionamento, até que todos sejam desinventados gradativamente, como está previsto em lei. Desde esta época, também começaram as restrições quanto ao tempo de internação, nenhum paciente pode mais ser condenado a morar no hospital psiquiátrico, deve permanecer nele o menor tempo necessário, apenas o suficiente para se recuperar de um período de crise, sendo, a continuidade do tratamento, feita em serviços extra-hospitalares, como os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Além dos CAPS (CAPS álcool e drogas, CAPS infantis e CAPS 24 horas) outros dispositivos foram inventados, como as Residências Terapêuticas, para os egressos crônicos de hospitais psiquiátricos; os Centros de Convivência, para promover inserção social por meio de atividades de trabalho, cultura, educação, esporte e lazer; os Consultórios na Rua, para abordar a questão das drogas com a população de rua; e outros. Além disso foi criada a noção de rede assistencial, que prevê um tratamento que se sustente na diversificação de aparatos, instâncias e instituições, de saúde ou não, ligadas entre si por pontes e vias de acesso.

Mas a Reforma Psiquiátrica Brasileira enfrenta ainda alguns novos desafios. Primeiramente, precisamos citar o tema das drogas, que tem trazido novamente à cena, um modelo de tratamento baseado no isolamento social e na restrição das liberdades. Mais uma vez temos sido tentados a criar muros, muros que separem, delimitem e isolem, a primeira vista em nome do tratamento, mas também e principalmente, em nome daquilo que tememos, do que não compreendemos, não aceitamos e não sabemos como lidar. Fizemos assim com os doentes mentais, criamos muros que nos separavam deles, para depois de muitas décadas entendermos que, na verdade, deveríamos ter criado redes e pontes. Sendo assim, precisamos apostar nas redes e nas pontes. Pontes que aproximam ao invés de afastar e redes que acolhem ao invés de espantar.

Outro grande desafio para os serviços de saúde mental na atualidade tem sido a demanda por psiquiatrização e medicalização do sofrimento cotidiano e dos nossos problemas relacionais. Vivemos na era da ditadura da felicidade, época em que qualquer mal-estar tem sido interpretado como doença. O excesso de diagnósticos psiquiátricos, o exagero e a pressa em medicar todos os nossos mal-estares, são os novos muros que estamos construindo para lidar com aquilo que nos incomoda. 

A felicidade já foi uma utopia, uma busca, um enigma a ser decifrado. Hoje é uma obrigação. E a indústria farmacêutica tem feito sua parte ofertando drogas para todo tipo de sintoma. Existem drogas para acelerar e desacelerar, para estimular e para relaxar, para dormir e para manter desperto, para desangustiar, para concentrar, para alegrar, para tirar nossos medos… Hoje, todo tipo de mal-estar cabe num diagnóstico, e para cada diagnóstico, temos um medicamento. A Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial precisam se ater a esse novo desafio, afinal, precisamos escutar, acolher e compreender nossos mal-estares, e não apenas criar muros químicos que nos separem deles.

Novos muros, velhos alicerces. Nesse 18 de maio, estamos diante de um novo desafio ético: desconstruir diagnósticos e derrubar os muros químicos, a fim de despsiquiatrizar e rehumanizar nossa infelicidade cotidiana. Precisamos pensar se queremos silenciar, anestesiar e criar muros químicos que contenham todos os conflitos, angústias, medos, dores e tristezas que sentiremos ao longo da vida.

Freud dizia que não existe cura para o desamparo humano, ou seja, em se tratando da espécie humana haverá sempre dores, sofrimentos e angústias das quais não poderemos escapar completamente. Mas se por um lado não podemos erradicar completamente esse desamparo, a psicanálise defende que podemos administrá-lo em favor da coletividade, do bem-estar comum. Podemos promover a gestão do desamparo e do mal-estar por meio da nossa ligação com os outros, pelos laços sociais, ou seja, pelas redes e pontes que seremos capazes de criar, manter e fortalecer.

Então, para finalizar, coloco aqui uma questão levantada nos idos dos anos 70 e 80, mas que ainda é atualíssima. Queremos construir muros ou optaremos por construir pontes e redes? Mais uma vez, nesse 18 de maio, a escolha é nossa.