A Moral e os Costumes

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O moralismo corrente e a “palavra de Deus” foram algumas das armas ideológicas dos sulistas para tentar manter o modo de produção baseado na escravidão durante a Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865. Os que queriam a igualdade de negros e brancos perante a lei (veja, perante a lei, não perante os olhos de Deus, ou iguais entre si) tiveram que lutar uma das guerras civis mais sangrentas da história. Além disso, a liberdade não veio antes de um “mensalão” para convencer alguns dos deputados a votar a 13ª emenda à constituição dos EUA. Mesmo que a escravidão já estivesse condenada como modelo de produção econômica, em favor do capitalismo de trabalhadores e consumidores, foi necessário guerrear pelo novo.

Abraham Lincoln reconheceu que aprendeu com seu pai que a escravidão era injusta por dar uma vantagem imoral aos grandes proprietários de terra com suas imensas fazendas e mão de obra barata. Não era por bondade com os negros, mas por impedir que um pequeno proprietário pudesse prosperar com o esforço pessoal que a escravidão estava condenada.

Já o preconceito e a exclusão social permaneceram por mais de um século e em novos formatos, permanecem. Agora que temos o primeiro presidente norte americano negro, podemos perceber que a verdade sobre a mentira está de acordo com as descobertas mais recentes sobre o DNA humano. Somos somente 2% diferentes dos macacos e um austríaco pode ter órgãos compatíveis com um senegalês, mas não ser doador de medula para o próprio filho.

Quanto mais penso sobre a corrupção mais chego a uma conclusão: a gênese dela está no auto engano. Não podemos passar sem a ilusão e a mentira sobre nossos próprios preconceitos. Por isso apontamos o dedo para todo o ato corrupto. Para encobrir uma verdade sobre nós mesmos e a humanidade. O desejo irrefreável e contraditório dos seres humanos é a razão da corrupção política e moral.

Não importa qual seja a moral vigente. Os machos irão querer espalhar seus genes pelo maior número possível de fêmeas e deixar descendentes. As mães farão o que for necessário para levar o maior número de filhos a vida adulta. Com tristeza entregarão uma cria para garantir a segurança das demais. Com menos tristeza suportarão a perda de filhos de vizinhas ou mesmo sobrinhos, se sua própria prole estiver segura. É um imperativo biológico de centenas de milhões de anos. O imperativo categórico de Kant é poderoso, mas deveras recente. A vida poderia ser, certamente, muito diferente. O papel do acidente na história poderia ter engendrado muitas sociedades diferentes.

Nós imaginamos muitos mundos diferentes, mas nenhum deles é o que o mundo deveria ser. São mundos que poderiam existir. Mas não existem. A verdade sobre a moral e os costumes é ocasional, emergente e mutável…

Eu não nego que existam líderes corruptos. Há certamente mais corruptos do que honestos e dificilmente um líder honesto terá feito mais do que ser lembrado como uma exceção que confirma a regra. Apenas admito que não encontrei, entre amigos e inimigos, quem não tenha seus segredos e seus sombrios acordos com a vida em nome de um bem maior. Fazemos isso sempre e os políticos também.

Um discurso sempre tem em si uma teoria que o embasa. O meu pressuposto é modesto e econômico, não podemos ser verdadeiros nem na frente do espelho. Pode ser triste, mas é uma verdade que coincide com a observação desapaixonada dos fatos.

O discurso moralista é ainda mais extraordinário e nada econômico. Ele pressupõe a fé, fundamentalmente a crença, em que algumas pessoas são especiais. E apesar de tudo o que afeta a humanidade, estas pessoas notáveis estariam acima dos mortais comuns.

Mais espetacular ainda: o pressuposto moral dá por descontado que embora a mentira seja uma das marcas mais distintivas da humanidade comum, ela ama quem sempre fala a verdade e se comporta de forma transparente, sem contradições. Há, certamente, pessoas notáveis. O que nunca se viu é um ser humano sem contradições, erros e que tenha de fazer escolhas difíceis em que o certo (moralmente) e o bem (na prática) colidem. Geralmente isso dá em tragédia.

Essa é uma das razões pelas quais não tenho tanto apego aos meus sonhos. Eles, como ensinou Freud, dizem de nossos desejos e pouco sobre como o mundo deveria ser. Aparentemente a vida se faz com a realidade que emerge dos sonhos, não com a realidade dos sonhos. Embora todo os fenômenos do mundo possam ser algo como um grande sonho, despertar dele não é fácil. E o único sonho que se realiza é a vida cambiante, errante, incerta e imprevisível que vamos vivendo. Colocar os sonhos que emergem de nossos desejos, em vigília ou no sono, como a vida que deveríamos estar vivendo, pode ser um logro.

O caso talvez seja esse para muitos: Rejeitam a vida que tem, ressentidos pelos sonhos que não realizaram. Sonhos e utopias nos movem. Mas não podem nos fazer felizes. Eu não esperava ter alguns mesmos amigos ao longo de toda a minha vida. Mas a vida me deu isso e acolho como uma dádiva da fortuna, não da virtude. Outros amigos a vida me tirou. Nenhum foi por escolha própria. Foi por terem que lidar com o que se apresentava a cada passo da vida. Os respeito por isso. Aceito as perdas, acolho os ganhos.

Um líder político, um chefe de Estado, por exemplo, é uma pessoa, não um demônio ou um Deus. O que uma sociedade fizer de bom ou de mau ao longo da vida pública de um líder, seja ele Lula, Mandela, Chaves, Reagan, Obama ou Hitler é o resultado da soma das escolhas das pessoas que viveram aquele tempo e da configuração histórica que orientou, possibilitou e/ou impôs estas escolhas. O mundo que deixarmos aos nossos netos será o mundo que fizermos juntos. Não o mundo que os líderes políticos fizeram. Uma ideologia, um sonho e o espírito de uma época, certamente movem o mundo. E nele giram, com tudo o mais, o Papa Francisco e a Madonna, Cristo e Buda, santos e pecadores, você e eu…