No Rio Grande do Sul, composição em movimentos: Carta da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos

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A Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos se reuniu com o secretário estadual da Saúde, Ciro Simoni, na quarta-feira, 21 de agosto, e entregou uma carta de reivindicações. O documento é assinado por diversas entidades, confira:

 

CARTA DA FRENTE ESTADUAL DROGAS E DIREITOS HUMANOS – RS

 

Ao Secretário Estadual de Saúde, Sr. Ciro Simoni

 

A Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – RS vem por meio desta Carta, manifestar sua POSIÇÃO sobre as ações que vem sendo desenvolvidas pela Gestão Estadual das Políticas Públicas relacionadas à Atenção em Saúde dos Usuários de Álcool e Outras Drogas, bem como apresentar suas REIVINDICAÇÕES diante das necessidades ainda presentes.

Durante os oito anos em que o atual Deputado Federal Osmar Terra foi Secretário de Saúde, a prioridade dos investimentos foi: 1) a abertura de leitos em Hospitais Gerais privados e 2) o conveniamento com Comunidades Terapêuticas.

Nas duas situações estamos falando de repasse de recurso público para instituições privadas e da internação como o único recurso incentivado na rede. Como resultado destas ações, no que se refere ao primeiro item, temos o maior número de leitos de saúde mental em Hospitais Gerais do Brasil. Entretanto, afirmamos que esta medida tem se mostrado frequentemente insuficiente, pois a precarização da rede extra-hospitalar dificulta o acompanhamento após a internação, acarretado em massiva rotatividade dos usuários aos serviços de saúde e a cronificação de seus sintomas. Além disso, o aumento de leitos retira a responsabilidade dos órgãos competentes para a implementação de uma rede extra-hospitalar consistente e diminui as possibilidades de cuidado em liberdade. O resultado garantido é o lucro advindo da mercantilização da doença que conhecemos muito bem.

No que se refere ao segundo item, temos Comunidades Terapêuticas ainda conveniadas desta época. Esses equipamentos realizam seu trabalho em desconformidade com os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, pois o isolamento do contexto social da pessoa é prerrogativa do programa terapêutico nas Comunidades. Cabe destacar a ausência de competência técnica (não-diferenciação entre uso e abuso, imposição de valores morais e religiosos, etc.) e as diversas irregularidades já encontradas nestes espaços. Não raramente, nos deparamos com sérias violações aos direitos humanos. Ressaltamos o fato de que o Brasil é um país condenado pela tortura e pela morte de pessoas dentro de suas instituições psiquiátricas.

Por este triste legado, e sendo o Deputado Federal Osmar Terra autor do PLC 37 – projeto de lei que significa a continuidade deste imenso retrocesso na atual política de drogas, o ex-secretário de Saúde é hoje um inimigo do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Lembremos as críticas que o PLC tem recebido de Organizações Nacionais e Internacionais, dos Movimentos Sociais e dos Trabalhadores das diferentes áreas das Políticas Públicas.

Atualmente temos presenciado pressão política das Comunidades Terapêuticas para a flexibilização das normativas e regulamentações, como vimos recentemente no GT da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Sabemos que, na proximidade das eleições, essas pressões tendem a aumentar. Evidentemente, ações que envolvem o cuidado das pessoas, necessitam de embasamento técnico e não podem estar a mercê de interesses políticos e econômicos.

No que diz respeito a fiscalização, esta deve ser adequada às necessidades sanitárias, terapêuticas e de direitos humanos. Sabemos que o Estado não consegue fiscalizar como deveria e para isso urge a criação de alternativas sérias e que atendam ao interesse público.

Reconhecemos avanços importantes nos últimos anos através do financiamento de ações em Saúde Mental nos três níveis de atenção. Pela primeira vez houve incentivo estadual na Atenção Básica e Secundária. O investimento na rede pública fortalece o Sistema Único de Saúde e a Reforma Psiquiátrica, pois a implementação de equipamentos de saúde conforme preconiza a legislação e as ações nos territórios reduzem os agravos à saúde e a necessidade de internação hospitalar.

Ao reconhecer modos diferentes de conduzir a gestão das Políticas de Atenção aos Usuários de Álcool e Outras Drogas e os avanços citados, viemos também reivindicar o fortalecimento das ações realizadas, e nenhum retrocesso naquilo que estabelece o SUS e a Reforma Psiquiátrica. Solicitamos então:

1) Não repasse de recursos públicos para Comunidades Terapêuticas. Os recursos públicos devem ser investidos em Equipamentos Públicos. Queremos a continuidade das ações de implantação, fortalecimento e qualificação da REDE PÚBLICA;
2) Não a flexibilização das normativas que regulamentam o funcionamento das Comunidades Terapêuticas. As normativas devem ser construídas com embasamento técnico e não a partir do interesse econômico das instituições privadas. Usuário de droga não é mercadoria.
3) A criação de mecanismos de fiscalização e denúncia das diferentes instituições, públicas e privadas, que realizam atendimento das pessoas que usam drogas, com o objetivo de prevenir a discriminação, maus tratos e violações aos direitos humanos. Este mecanismo deve ter formação paritária que respeite o interesse público.

Salientamos que qualquer debate em relação a estes pontos deve ser realizado mediante a participação do Movimento Social. A participação popular é princípio do SUS e estabelecida por Lei.

Diante das diversas violações de Direitos Humanos identificadas no Brasil, o país vem sendo condenado por Organizações Internacionais para a criação de Políticas Antimanicomiais e Mecanismos de Prevenção e Combate a Tortura. Também estamos sendo alertados a não repetir sistemas de reclusão como forma de tratamento. No Rio Grande do Sul, esse debate está sendo feito pela Frente Estadual de Drogas e Direitos Humanos, e os gestores públicos devem fazer a sua parte.

A Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – RS, articulada com a Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos, reúne pessoas, coletivos e instituições no debate das Políticas Públicas, na realização de ação direta, na mobilização social e na difusão de informações na área dos Direitos Humanos das pessoas que usam drogas. É formada, em sua maioria, por trabalhadores das diferentes redes públicas, coletivos, usuários, instituições e conselhos profissionais com histórico de mobilização e luta nesta área.

Fazemos “Frente” à luta pelos Direitos Humanos e pelo cuidado em liberdade.

Reivindicamos que o Gestor Público desenvolva ações que favoreçam a melhoria das condições de vida e de saúde desta população e não aos interesses de mercado. Estamos atentos(as) as ações desenvolvidas pela gestão da saúde e das demais Secretarias de Estado. Somos contrários(as) a efetivação de repasse de recursos públicos as Comunidades Terapêuticas, sendo estas iniciativas de privatização da saúde e de desrespeito aos princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica.

Pelo fortalecimento da Rede Pública de Atenção aos Usuários de Álcool e Outras Drogas.
Quem usa drogas tem direito de ser cuidado em liberdade.

Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos – RS
Contato: [email protected]

Também assinam esta Carta:
Coletivo Antiproibicionista Principio Ativo
Coletivo Gaúcho de Residentes
Coletivo Lótus de Redução de Danos
Conselho Regional de Psicologia do RS
Conselho Regional de Serviço Social – 10ª Região
Fórum Gaúcho de Saúde Mental
Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos
Movimento Nacional da População em Situação de Rua do RS
Rede Multicêntrica
Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
O Fórum em Defesa do SUS – RS
Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul – SINDSEPE – RS

Download do documento em pdf:https://docs.google.com/file/d/0B6v9P1A3R141YTFVTld3S2p6RUU/edit