Centro de Convivência Casa dos Sonhos: Ensinando e Aprendendo

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Seguindo nossa trajetória rumo aos diferentes CECOS de Campinas, hoje vou contar para vocês sobre uma experiência que eu vivi no Centro de Convivência Casa dos Sonhos. 

De acordo com sua constituição histórica, por ser um CECO muito próximo ao Serviço de Saúde Cândido Ferreira e às suas Residências Terapêuticas, este espaço é muito utilizado por usuários portadores de transtornos mentais severos, além de crianças, jovens, homens e mulheres vinculados à outros serviços de saúde da rede ou vinculados à comunidade. Com um bom suporte de recursos e parceiros, esse CECO me tocou especialmente pela forte parceria criada junto à Assistência Social, à Educação e ao projeto de alfabetização de jovens e adultos: A FUMEC.

A primeira aula que eu pude assistir foi uma aula de português, ministrada por uma professora, educadora especial, bastante afetiva e dinâmica.

Na sala, tinham 10 alunos, a maior parte deles, muito comprometidos do ponto de vista cognitivo e psíquico e/ou sensorial. As diferenças ali, se apresentavam de modo escancarado. No grupo de alunos encontramos 01 deficiente visual, 01 cadeirante com limitações neurológicas, 02 pessoas da vizinhança (o jardineiro do nosso então prefeito e uma senhora de 80 anos) e outros alunos com diferentes tipos de sofrimento psíquico, vinculados à rede de saúde mental (moradias, NOT e CAPS).

No início da aula, subestimei a capacidade de um profissional sozinho conseguir compor todas essas diferenças e produzir um comum, ago compartilhado ou algum sentido de grupalidade entre aquelas pessoas. Mas em pouco tempo, todos estavam compartilhando a mesma curiosidade de aprender a ler e escrever ou a capacidade de se desviar da meta inicialmente traçada, produzindo novos trejetos de aprendizagem ou de convívio.

É claro que a dinâmica da aula não era a mesma de uma sala de aula qualquer. Cada aluno tinha um limite diferente de tempo e suportabilidade de permanecer naquele espaço e ali, isso era respeitado. Eles podiam entrar e sair a partir do tempo-limite de cada um. Do mesmo modo, o processo de ensino-aprendizagem era diferente para cada aluno, mas havia um ambiente colaborativo e solidário às dificuldades e potencialidades de todos. Éramos convidados a produzir uma desaceleração no ritmo da produção cognitiva a que estamos habituados na contemporaneidade. Experimentar outros tempos…

A senhora de 80 anos, me disse:
Eles tem bastante dificuldade, mas antes, nas salas de aula comum, era eu que não conseguia aprender, e aqui, como o ritmo deles é mais lento, eu consigo até ensinar às vezes, já aprendi também a ler e to aprendendo a escrever” (Fala registrada em diário de campo)

No intervalo, foi servido um lanche, e todos comeram e prozeavam na mesma mesa. Alguns permaneciam no silêncio do seu mundo, ou pelo menos no mundo em que os sons eram imperceptíveis para mim. Uma das usuárias saiu, fui acompanhando-a com os olhos e percebi que ela deixou um copo de café no canto da casa, no quintal. Perguntei para ela se era alguma simpatia, ela disse que todos os dias, deixava um café para o seu santo, e todos os dias ele tomava.

Todos voltaram para a sala de aula, e em poucos minutos um dos alunos, morador de uma residência terapêutica, saiu para fumar. Fui acompanha-lo e ele foi direto ao “café do santo”. Bebeu tudo, numa golada só, sem pestanejar.

Eu perguntei se ele sabia que era o café que a colega dele deixava para o santo. Ele disse que sabia e tomava todos os dias, por que ele era o anjo da guarda dela e ela não sabia.
Retornando à sala, de fato, ele fazia diferentes movimentos de “proteção” a ela e pequenas gentilezas o tempo todo.

Acreditem ou não, mas na Casa dos Sonhos, nossos santos e anjos da guarda estão no plano da imanência!

Esse foi um entre outros exemplos de integração que o espaço FUMEC proporcionava, momentos possíveis já que o objetivo de ler e escrever não era uma única meta a ser alcançada. Ler e escrever poderia ser um efeito desejado que se produziria a partir desse encontro de diferentes, que lendo ou não, estavam desenhando novas relações para suas vidas e re-escrevendo suas próprias histórias.