Centro de Convivência Espaço das Vilas: Tocando a vida

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Nesse post, eu queria contar pra vocês sobre minha experiência junto ao Centro de Convivência Espaços da Vila, faz referência a um dos Coletivos mais potentes que a rede de Saúde Mental em Campinas tem produzido: O Coletivo da Música. 

O espaço das Vilas é um CECO de Campinas, vinculado ao Serviço de Saúde Cândido Ferreira sob a coordenação da minha amiga de aprimoramento Bianca Bedin.

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Já o Coletivo da Música é um projeto desenvolvido desde 2009 formalmente na Rede de Campinas, colocando no espaço do CECO em articulação diversos projetos musicais produzidos em diferentes pontos da rede de saúde.

Produzido por uma iniciativa de construção de um grupo de experimentação musical por profissionais de saúde de diferentes serviços, esse projeto tem hoje diferentes frentes de trabalho.

No CECO Espaço das Vilas, numa tarde muito sol e som, pude presenciar uma das atividades que esse coletivo desenvolve, envolvendo três equipamentos diretos (CAPS Esperança, Núcleo de Retaguarda e Centro de Convivência), mas com abertura para usuários de toda a rede, incluindo desde usuários da Atenção Básica até usuários em momento de internação.

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Eu estava naquela tarde, participando do grupo de experimentação musical, roda em que as pessoas cantavam, tocavam diferentes instrumentos, acompanhavam uns aos outros, na execução de músicas que eram escolhidas por cada um ali presente.

 

Estruturalmente, o grupo se dividia em coordenadores, responsáveis por técnicas de som, instrumentistas, etc… independentemente de suas funções (se trabalhadores de saúde, músicos ou usuários). Além de cada uma dessas identidades, apresentavam-se ali singularidades que protagonizavam o lugar de disparadores de diferentes atividades musicais, diferentes repertórios, diferentes vozes e ritmos.

Outro momento desta atividade é hoje o Grupo Retalhos de Cetim, grupo de aperfeiçoamento musical, onde os usuários que já tem um percurso musical e algumas habilidades desenvolvidas aperfeiçoam isto. Esse espaço se pretende um trabalho de grupo artístico musical mais profissional. A maioria dos usuários desse grupo já está neste trabalho há mais de dois anos, incluindo participação no grupo de experimentação. Esta atividade inclui ensaios semanais de 1h e 30 e apresentações em diversos eventos, tanto na área da saúde, atividade de carnavais de rua, como também festas comunitárias e eventos em geral. Tudo isso foi construído e vivido de modo muito particular, um grupo que se movimentou do interior do CAPS para o CECO, levando parte do CAPS com ele e trazendo parte do CECO para o CAPS também.

Naquela tarde estavam presentes pessoas de dentro e de fora do Grupo Retalhos de Cetim, a maioria dos presentes eram jovens e adultos-jovens.
As pessoas que passavam em frente ao CECO, olhavam curiosas tentando entender de onde vinha aquele som animado, outras passavam cantando a melodia que ecoava lá de dentro, outras esboçavam sorrisos. Eu cheguei até o grupo guiada pela música.

 

O grupo tinha em média 25 pessoas participando, numa grande roda de samba. A grande maioria das pessoas eram usuários de diferentes serviços de saúde mental. Alguns tocavam, outros dançavam no centro da roda, uns chacoalhavam todo esqueleto e outros timidamente balançavam a ponta do pé, mas todos tinham seus ritmos alterados. Velocidades e lentidões em transformação.

Encontrei usuários que eu já havia atendido como terapeuta ocupacional em outras circunstâncias, assumindo papéis e posturas impensáveis a partir do lugar em que eu os havia conhecido e a partir do olhar que me era possível no interior do Caps. Um deles estava naquele momento em uma internação no Núcleo de Retaguarda, podendo, mesmo que por algumas horas, estar num espaço extra-hospitalar, numa produção de cuidado de outra ordem. Aquele respiro, me pareceu cheio de novos ares.

Eu testemunhava ali, não apenas a experimentação musical, mas a experiência de invenção de um modo de trabalho coletivo. A experimentação das novas formas dos profissionais dos CAPS se encontrarem com os usuários e os usuários com seus “terapeutas”, incluindo o encontro de corpos, que ultrapassa a barreira da neutralidade e a formalidade de um aperto de mão para o balançar dos quadris em ritmos próprios, encontro de som e suor.

Para Pelbart (2003), quando um grupo de pessoas em sofrimento psíquico constitui um grupo de samba que publicita sua música, o que eles mostram não é só a música, nem só suas histórias de vida difíceis, mas seu estilo, sua singularidade, sua revolta, sua maneira de vestir, de rebelar-se, enfim, sua vida.

A interdisciplinaridade e a intersetorialidade ali presente se davam a partir de trocas ritmadas, a rede se produzia por letras de música, por instrumentos compartilhados, pela participação conjunta em apresentações e não apenas por papéis ou telefonemas.

As angústias, ora tratadas com fluoxetina recebia novo canal de passagem; as ansiedades agora tomavam forma do frio na barriga que antecediam uma apresentação num evento; instrumentos tímidos e agressivos compunham com diferentes corpos humanos produzindo oscilações de afetos que lítio nenhum daria conta.

Por uma tarde, vivi a aposta de profissionais e usuários neste modo de fazer, de construir, com a música, territórios mais potentes, sobretudo no seu potencial de deslocar-se, da doença, da dor, do que por hora ali paralisava a movimentação, e ao tocar, cantar, às vezes balbuciar outras tonalidades de vida.

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Passo a passo, esse coletivo tem cada vez mais construído atividades conjuntas, articulando, escutamos o que as pessoas da cidade estavam fazendo ou querendo fazer (com) musica.

E assim, a partir de encontros periódicos e regulares, no CECO espaço das Vilas, esse grupo de pessoas segue experimentando, ensaiando e criando outros modos de tocar a vida.

Por Sabrina Ferigato e Ludimila Paullucci