Porque trabalhar com Educação Permanente em Saúde?

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Hoje, lendo a respeito da educação e sua relação com a área da saúde, passei a refletir sobre a proposta de trabalhar com educação permanente em saúde. Na elaboração do cenário em que estou inserida como apoiadora institucional percebi que a educação no campo da saúde é decisiva para a organização da integralidade da atenção e para o desenvolvimento da humanização nas práticas em saúde. Não é de agora que a questão educacional permeia as ações em serviço na área da saúde, temos inúmeros exemplos em nosso dia-a-dia. No livro O SUS de A a Z, publicação do Ministério da Saúde que possui também uma apresentação digital, encontramos que um dos objetivos da Política Nacional de Atenção às Urgências (Portaria n° 1.863 de 2003) é qualificar a assistência e promover a capacitação continuada das equipes de saúde do SUS na atenção às urgências, em acordo com os princípios da integralidade e da humanização. Além disso, a Política de Educação Permanente em Saúde têm como um dos princípios a articulação entre educação e trabalho no SUS, por isso, considero como extremamente importante a sua aplicabilidade dentro do serviço de emergência e acredito no seu potencial transformador. A educação presta-se, ainda, para fomentar reflexões críticas dos processos de trabalho no SUS.

 

 Um desafio muito presente é o de considerar a habilitação profissional orientada para as necessidades de saúde da população, ou seja, tornar a rede de serviços e suas equipes competentes para realizar a atenção às necessidades sociais por saúde. Dessa forma, acredito que a EPS criará condições para o debate, para a problematização, ajudando a identificar as necessidades de formação de acordo com as situações apresentadas pela equipe, ajudando a identificar as potencialidades do grupo, estabelecendo parcerias e reconhecendo as prioridades a serem trabalhadas.

Acredito que o facilitador deve mobilizar o grupo para a mudança, mas não determinando o que devemos ou não mudar e sim, discutindo dentro do grupo o que o grupo precisa, ou melhor, sente necessidade de mudar. Além disso, é importante considerar e valorizar o que cada trabalhador já construiu em sua trajetória profissional. Schwartz (2003) nos alerta para o fato de não conceber, por exemplo, “formação de adultos”, “formação profissional” sem se interrogar sobre o que os “formandos” já construíram com o saber em seu trabalho, e como esse trabalho sobre suas próprias competências inscreve-se em projetos de vidas. Negara as experiências, para o autor, é contentar-se com a esterilidade do ato educativo.  É simplesmente passar informações, nem sempre adequadas para aquela realidade, com pouca ou nenhuma garantia de que haja uma sensibilização para um “fazer” diferente do instituído.  Antes de mais nada, a facilitadora deve ouvir o grupo e estimular a percepção dos nós e despertar inquietação para encontrarmos o caminho certo.  Nessa trajetória inicial, evidenciei no meu cenário de trabalho que nos falta o hábito de escrever as coisas positivas, colocarmos o nosso sucesso no desatar de cada nó que enfrentamos. Relatamos e discutimos problemas, mas não falamos sobre o usuário que ajudamos a encaminhar, sobre o retorno que tivemos de algum serviço, sobre o obrigado que recebemos e, principalmente, como nos sentimos realizados na construção do SUS. Essa foi uma das mais importantes mudanças disparadas no grupo, pactuamos que passaremos a registrar não só as dificuldades, mudando o foco do olhar para as energias positivas, pois é isso que nos sustenta em um contexto de tanto sofrimento como a emergência. Mesmo nos casos em que, não possamos desatar os nós, podemos “tentar fazer” e isso já é uma grande satisfação.

Acho que o maior desafio para avançarmos em estratégias de implementação de práticas de EPS é trabalhar em equipe. Temos, principalmente dentro das unidades hospitalares, uma forte divisão dos profissionais em “nichos” de saber e de poder. Por exemplo, ouvi de uma colega do curso de EPS que não deveria ser assim a dinâmica, misturando profissionais de formação superior e nível médio, “nós não podemos nos misturar”, mas podemos trabalhar juntos e termos objetivos comuns. De que forma seremos equipe se não podemos construir aprendizagens coletivamente? De que forma podemos, tomados pela “pedagogia da implicação”, reconhecer o outro e o seu lugar como sujeito implicado, sem constituirmos uma equipe? Acho que os trabalhadores possuem experiências e vivências muito ricas e devemos “aprender a aprender” em equipe, compartilhando saberes, trocas, comunicações e situações simples do cotidiano.

Observando o nosso cenário e como acontecem os processos de mudança dentro do meu local de trabalho, percebo que a maioria delas ainda são verticalizadas, decisões de gestores que muitas vezes nem conhecem a realidade local. Essas mudanças já nascem condenadas ao fracasso, pois não provocam envolvimento e comprometimento dos trabalhadores. Estes trabalhadores sentem-se pouco valorizados pelo fato de não serem ouvidos e serem deixados de lado na hora de decidir e mudar. Quem conhece a realidade e sabe o que o possível ou não de fazer naquele momento não é ouvido, simplesmente é comunicado da mudança e cumpra-se. Dessa forma, inúmeras sugestões e formas diferentes de fazer são desperdiçadas, deixadas de lado por uma disputa de vaidades, um modelo de gestão não democrático, onde alguns pensam e outros executam.

Acredito que a mudança desse processo, depende mais de nós trabalhadores do que propriamente dos gestores, precisamos nos infiltrar, seja nos colegiados de gestão, conselho gestor, enfim, fóruns que dão voz ao trabalhador. Mas essa participação na gestão deve ser real e não somente para cumprir uma exigência política. Muitas vezes, escuto dos trabalhadores, que tal mudança já foi apontada por eles, mas não se efetivou, o gestor ouviu, disse que era boa a sugestão e necessária a mudança e, no entanto, não saiu do papel. Entra aí, novamente, o papel dos colegiados e seu fortalecimento através da ampla participação.

Quais as maiores aprendizagens até agora? O maior aprendizado que obtive com a EPS foi a inquietação permanente com os processos de trabalho. Sempre escuto dos colegas, quando alguma coisa vai mal dentro do serviço, que devemos realizar treinamentos e capacitações e então tudo estará resolvido. Ingenuidade ou desconhecimento, não sei o que pode melhor explicar essa atitude; diante de um processo de trabalho que precisa ser repensado devemos convocar a equipe para a mudança, buscar envolvimento e possibilidades.

Os treinamentos trazem muitas coisas positivas, mas não resolvem problemas no andamento do trabalho, é preciso mais, é preciso despertar dentro do grupo a vontade de mudar, sendo que aí a EPS é crucial, pois transforma o comprometimento individual no coletivo, abre espaços para o grupo se manifestar e juntos construir um cotidiano de trabalho melhor.

Dentro da emergência propus trabalhar a construção da rede do SUS como espaço de educação profissional, utilizando a EPS para isso, através da realização de visitas programadas com as equipes do acolhimento nas unidades de saúde. O objetivo dessas visitas é mapear os tipos de serviços que as unidades oferecem para a população, como ocorrem as trocas entre as equipes e os encaminhamentos realizados, como são direcionados os casos não atendidos nas unidades e se ocorre articulação com a rede de serviços de saúde (referência e contra-referência). Nessas visitas, além da troca de informações, ocorrem trocas de experiências, o trabalhador tem oportunidade de apresentar o seu trabalho, incentivando e valorizando a participação dos trabalhadores nas atividades do serviço. Da mesma forma, propicia um conhecimento de outras realidades e contextos, facilitando os processos de encaminhamentos e orientações dos usuários.