UM POUCO DE LIRISMO FAZ BEM À SAÚDE?

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POEMAS DE RAY LIMA ( TUDO É POESIA I, QUEIMA BUCHA, MOSSORÓ-RN,2005) (1)

O HOMEM SEM TEMPO

Tantos anos sem abraço. O que houve
em ser assim? Já de mim não me desfaço.
Que falta faço a mim? Que pedaço é meu
tão bom? Que outros meus são tão ruins?

Tantos sonhos, tanta história:
amores veros que não rolam;
histórias vãs e sem conquista – do ponto
de quem avista, na vista de quem não conta.

A vida vai fazendo a monta de tudo
que se destrói; de o exagero no fazer;
do prazer desperdiçado; do construído
abandonado, do desmonte incalculável.

Não é tarde o fim do dia, nem da vida
que o anuncia. Dia nascido é cedo e tarde.
A vida em calma passa mole. Cruzo os braços,
a vida encolhe; tranco a alma de verdade.

(2)
Papai plantou um grão.
Esse grão era de milho.
Choveu muito, trovejou. A chuva molhou
o chão, mas foi grão que germinou.

Da semente germinada veio planta
e da planta veio espiga. Há quem diga
e quem não diga que por trás daquela
espiga mora a loira que me amou.

Era tudo encantador em nequinha da lavoura,
filha de grão com pai chão; causou vexame
em sabugos, foi modelo de bonecos;
seus fininhos fios loiros calaram canto de grilos.

Mas nequinha camponesa se enjoou de ser boneca,
percebeu toda inocência do seu belo; revoltou-se:
não aceita ser modelo de vender, nem se casar;
decidiu fugir do caule pra me amar.

(3)

Um amor não se faz nem se produz.
Um amor não se compra com louvores.
De raízes brota amor como se flores,
um amor acende rápido como luz.

Se queres o lirismo do meu sonho,
mata o sonho e te lembra do passado.
Vê os ângulos simultâneos dos olhares que tivemos –
espontâneos inda são quando lembramos.

Esta luz é uma água e nos afoga.
É preciso que sejamos nadadores,
que sintamos o calor por entre o líquido,
que a certeza deste amor nos salve agora.

Não posso acreditar no produzido, nem quero
esperar que se produza. Amemos logo
ao respingar da chuva, unamos nossas línguas por um beijo
enquanto pingos colam os seios no vestido.

(4)

AH, COMO QUERIA TE ENCONTRAR
seja onde for:
num poema;
na canção fria dum emblema;
num romance pós-moderno;
num outdoor, na capa de um caderno;
no céu, na terra, no paraíso, no inferno…
seja te encontrar o que for.

(5)

AH, QUE DOCE DESEJO DE SER UM

porque sendo um poderia ser teu
mas eu não quero ser
que me possua
quero a posse da tua posse
quero rua

(6)

AVISÃO

Criança amada é linda!
Criança amada é livre!
Criança amada é dez!
Como no mundo precisa ter vez!

Eu sou criança, quero curtir minha infância.
Cuide da minha, não deixe morrer a sua.
Criança mal amada, criança abandonada
é presa, devorada pela fome da rua.

Eu sou criança, cidadã.
Cidadão se faz no útero.
Cidadão se faz em casa.
Cidadão cresce na escola.

Cidadão não tem idade, tem esperança na cachola.
Cidadão tem vida de verdade.
Cidadão não pede esmola.

Criança tem corpo, se se bate fica roxa.
Criança tem alma, se beija, se acaricia,
ela se arrepia, se acalma, fica rosa, vira flor.

Então, vive um amor que vai além
da mãe e muito além do pai.
Esse amor que vai, esse amor que vem.
Não se acanhe, ame você também.

(7)

Mulher e Sombra

te amei tanto que esqueci de mim
te amo tanto que estou assim
tentando amar-te sem ver-te a meu lado
querendo dizer-te com amor calado
que só te amo assim por que de mim fugiste

ando bem triste criatura incerta
meu coração de janela aberta
te espera à sombra dos dias sem luz
sem que essa força a ti me conduz
velando um amor que já não é meu

mulher obscura sem saber me maltratas
nos sonhos que tenho, chamo-te ingrata
por não saber se os dias vão trazer-te a mim

fêmea sem par vivo a procurar-te
nos templos da vida do amor e da arte
já que não és nada senão palavra, rima

fêmea, mulher solitária
figura imaginária que de mim surgiu
não te assombres com as sombras cobertárias
dessa tribo canalha que te pariu.