De que Lado Está a Barbárie?
Michel Foucault inicia seu “Vigiar e Punir” com um o relato aterrador da execução de Damiens, condenado pelo crime de Parricídio. Não vou expor o leitor às minúcias do que aconteceu a Damiens. Basta dizer que num passado não tão distante (1757) a execução pública com requintes da mais extremada barbárie era motivo de espetáculo e de matéria jornalística.
Muitos diriam que o tempo passou e que a barbárie foi sepultada pelos séculos. E mesmo onde a pena de morte existe, parece haver a tendência de reduzi-la a uma sequência de eventos “médicos” eivados de “humanismo”, onde prisioneiros são colocados para dormir, entram em coma e morrem sem dor a partir da combinação de drogas.ENGANO, a barbárie está germinando aqui perto de nós e talvez com nossa conivência.
Nos últimos dias chegaram notícias terríveis do Maranhão. Diferente de 1757, quando tudo era mais lento e a cultura letrada restrita às elites, hoje temos telejornais e internet, temos telefones que não se restringem a conversas, mas que também bate fotos e faz filmagens.
Uma náusea insuportável toma conta de nós. Algo que vai alem de ônibus queimados junto com pessoas, náusea que nos afronta com o cadáver de uma criança de seis anos, com 95% de seu corpo queimado quando estava ao lado de sua mãe.
No complexo penitenciário de Pedrinhas as autoridades maranhenses colocam lado a lado facções inimigas. A mistura é trágica e perversa. Elas se atacam mutuamente, estupram mulheres de membros rivais, matam-se, esfolam vivos seus oponentes e depois cortam suas cabeças.
Não estamos em 1757 e sim em 2014. Tudo isso está sendo filmado e fica a distância de um clique. Você quer ver? Não vou disponibilizar aqui os links, mas basta que você saiba fazer as perguntas certas ao Youtube ou ao “Dr Google”.
Parece haver uma conexão perversa entre a miséria e certos componentes do que chamamos de barbárie. Ao olharmos as estatísticas do Estado do Maranhão fica pincelado em tintas sangrentas o que pode fazer (e não fazer) o trabalho diligente de uma oligarquia que mantém o atraso econômico, social e educacional transformando em ação prática sua indiferença por seres humanos. Enquanto batiza ruas, escolas e hospitais com os nomes de seus ilustres familiares, os gritos estão lá em Pedrinhas., os estupros, as cabeças que rolam, o encarcerado em desespero olhando sua perna dilacerada.
Fica assim uma pergunta no ar. Onde está a barbárie? Estará encarnada nos monstros encarcerados que germinaram a partir do mais baixo IDH do Brasil? Ou nasce da indiferença de governantes muito mais preocupados com a gestão de suas "senzalas" e "engenhos" enquanto corações sangram e almas se afogam em lágrimas?
Gostaria de deixar como alento a notícia que pode ser acessada aqui. Enquanto presos sob a tutela do Estado Brasileiro se dilaceram na prisão maranhense de Pedrinhas, a Suécia está fechando quatro prisões. O que podemos aprender com isso?
Por Márcia Roseane
Pois é esta a pergunta: De que lado está a barbárie?
Com certeza é do lado daqueles que invisibilizam a miséria alheia; daqueles que estão restritos ao seu mundinho; daqueles que negligenciam a pobreza; daqueles que são indiferentes as questões sociais. Enquanto não se entender que prender ou matar não se resolve todas estas questões, não haveremos de ter um mundo melhor. É necessário, como na Suécia, que outras portas sejam abertas, que os direitos à dignidade se aproxime mais do homem, para que não haja mais tanto investimentos em prisões, que no caso do Brasil, a cada dia o sistema de encarceramento se degrada, não cumprindo o seu papel, que é de ressocializar.