João, simplesmente João, sem quase nada de Santo

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Apenas há poucos dias tive a oportunidade de finalmente ver o filme “Faroeste Caboclo”, película lançada em maio do ano passado (do diretor René Sampaio) e que só por sua proposta – ser uma adaptação cinematográfica da famosa música da Legião Urbana – já de antemão merecia todo o meu interesse. Quem curte Legião Urbana acaba criando os próprios filmes na sua imaginação diante de letras como as de “Eduardo e Mônica” ou “Faroeste Caboclo”. Acredito que faz parte da lógica dessas músicas que narram histórias e não possuem uma estrutura com refrãos que se repetem.

No entanto, diante de tanta expectativa, acabei me frustrando com o que vi. Afinal, não consegui enxergar na personagem de Fabrício Boliveira o pisciano com ascendência em escorpião cantado por Renato Russo. O João levado às telas não conseguiu me envolver, muito menos emocionar. Nem mesmo a paixão por Maria Lúcia (muito bem interpretada por Ísis Valverde, diga-se de passagem) conseguiu me convencer que aquele era o mesmo João de Santo Cristo cantado por gerações.

O filme foi reduzido a um romance entre duas pessoas de classes sociais diferentes e nada mais. A via-crúcis que legitimava a denominação “Santo Cristo” simplesmente não existiu. João permaneceu simplesmente João. Chamá-lo de Santo Cristo fazia apenas parte da coerência com a música. O duelo final entre Jeremias e a personagem protagonista foi reduzido apenas a um acerto de contas, de um lado, pelo roubo da cocaína do primeiro e, por outro, pela traição de Maria Lúcia.

Mas esse momento não era para ser apenas isso, não era apenas o desfecho da trama com a morte das três personagens principais. É a crucificação simbólica de João diante das “câmeras de TV que filmavam tudo ali”. É o desfecho da via-crúcis e a declaração de João como santo; a perplexidade de uma sociedade que não acreditava na “história que eles viam na TV”; o tácito erro de João, mas também a sua dignidade como “homem que não atira pelas costas”.

É o momento que você canta mais alto, com mais vontade. Imaginava que seria também o momento que, assistindo ao filme, iria até evitar respirar para não perder nenhuma parte. Ao contrário, o sono que se instaurou só foi rompido pelos créditos do filme, que traziam a música na sua integridade. Só assim a sonolência foi embora. A sensação que fica é que o meu roteiro imaginário continua sendo muito mais interessante.

*Talitta Tatiane Martins Freitas é doutoranda em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), bolsista da Capes e integrante do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura (Nehac). E-mail: [email protected]

 

 

https://www.correiodeuberlandia.com.br/nehac/2014/02/14/joao-simplesmente-joao-sem-quase-nada-de-santo/