Quem são os humanos verdadeiros?
Quem são os humanos verdadeiros? Nem os outros, nem qualquer um de nós… O humano é um vir a ser e um ir sendo…
Porque o martírio dos inocentes enleva o sono dos cidadãos de bem? A barbárie no Jornal Nacional (pois ela sempre está lá e agora em alta definição) sacia a mesma sede de violência contemporânea que os romanos antigos saciavam no Coliseu. O que os justiceiros fazem ao mutilar suas vítimas é o rascunho do monstro secreto que habita nossa íntimo imaculado de cidadãos de bem.
Somente quando vermos a fera que nos parasita, poderemos renunciar ao sacrifício explícito das vítimas. O que os justiceiros fazem, ao encenar o espetáculo da violência, é permitir que nos isentemos da ira cotidiana que naturalizamos e remetemos, sempre, ao outro mesmo quando o outro é o reflexo nós mesmos.
Somos bestas iludidas de que o devir civilizado já é nossa condição comum. Nunca foi.
Podemos buscar nossa humanidade assumindo que somos autores dos roteiros que trilhamos ao fazermos escolhas. Encontros fortuitos podem ser significados de forma responsável. Mas o que é que isso significa?
Agenciamentos pressupõem que ser fascista seja diferente de ter cabelos loiros. Mas, sabemos que posturas fascistas são social e historicamente determinadas. A cor natural dos olhos é determinada geneticamente para cada ser humano. A cultura de paz ou de violência, ou ainda, combinações variadas das duas, tem uma determinação historicamente dada ou construída.
Fazer algo com o que foi feito de nós, genética ou socialmente, é uma forma de tentar assumir, em parte, uma forma de autonomia que fundamenta a noção de responsabilidade. A questão é: Isso é possível? E se for, em que medida é?
É verdade que o meio de expressão não é, incondicional e absolutamente, o correlato da expressão. Embora, em certa medida, como já se disse, o meio seja a mensagem. O Facebook não pode ser fascista, nem o jornal ou a reunião do condomínio. Mas certamente não será apenas por que coisas e artefatos não tem escolha. O papel dos não humanos em nossa humanidade não pode ser esquecido facilmente. Os meios e as mídias não deixam de lembrar o quanto somos, fraternamente, artefatos de artefatos.
Há uma incerteza razoável sobre se nós temos, de fato, escolha. O que não significa que não possamos ter fé em nossa autonomia. Desde que saibamos que ela é uma aposta. Desde que aceitemos que o mundo pode não ser tão simples, quanto nossa fé exige.
O efeito que nos permite atribuir escolha, livre-arbítrio, inocência ou culpa, em última instância é a perspectiva. Olhando de perto a cor dos olhos é causada e, por enquanto, não escolhida. Já, o comportamento das pessoas permanece inapreensível. De uma determinada maneira de ver, parecemos determinados por forças externas. De outra, parece que decidimos cada passo que damos.
Na dúvida, costumamos pedir ajuda a Deus e caprichamos no curso de ação que parecemos ter escolhido. Podemos viver a vida toda em uma ou outra fé. Frequentemente oscilamos entre nos vermos como responsáveis ou determinados.
Uma ou outra visão nos serve de acordo com o interesse em culpar ou absolver, seja aos outros, seja a nós mesmos. É curioso que até nosso inconsciente pareça, a nossa revelia, atribuir responsabilidade por cursos de ação que algum dia cremos ter adotado.
Os critérios da culpa parecem ser o resultado e não a moral. Se fracassamos ou temos um sucesso que nos envergonhe, sentimos uma culpa recalcada. Outras vezes anunciamos lamentar resultados que secretamente celebramos.
Em geral, é assim com o comportamento intolerante ou fascista: A vitória obscurece o abuso contra os mais fracos. A autonomia de impor um resultado é o reverso da covardia em uma luta, por exemplo. Especialmente se a superioridade do vencedor for discreta. O nazismo se legitimava na ilusão de que beleza, força, verdade e sucesso eram os critérios para distinguir a humanidade superior.
No final o nazismo tornou-se sinônimo de desumanidade. A profunda obsessão com que perseguiram seu delírio os tornaram símbolos do mal. Mas de uma forma tão horrível que parece que todo o mais, é menos. E segue sendo assim: grandes atos de barbárie obscurecem a origem de qualquer fascismo.
Nesse sentido é que espetáculos de violência nos servem de desculpa aos micro fascismos do cotidiano. Desrespeitar o companheiro ou o colega, a irmã ou a esposa, são gestos diminuídos pela sordidez da violência explícita. Mas ela é a expressão nua da intolerância cotidiana. Deveria revelar nossa hipocrisia e não desculpá-la.
Este texto é uma costura de dois diálogos distintos: Primeiro com Eliane Brum, através da leitura de “Nós os humanos de verdade”. Segundo por um comentário a uma brilhante provocação de Marta Rezende lá no Facebook. Espero que os dois juntos ajudem na reflexão sobre nosso comportamento nestes dias vorazes…
Por Emilia Alves de Sousa
Oi Marco
Mais um belo Post você nos traz! Li o texto da Eliane Brum, e também não sei responder quem são os humanos e cidadãos verdadeiros. E se os cidadãos verdadeiros são os que acorrentam os negros em posts, os falsos não quero conhecê-los (risos).
Abraços!
Emília