Mais recursos

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José Gomes Temporão*

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O SUS necessita, sim, de um aprimoramento da gestão. Mas não há gestão que resolva por si só o déficit do sistema.

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Muitas foram as conquistas nestes mais de 20 anos de criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Saímos de uma estrutura que atendia apenas 30 milhões de filiados à Previdência Social para outra, de recorte universal, que atende 190 milhões de brasileiros. Mas é inegável que ainda háuma série de acertos e ajustes a serem feitos, e o Ministério da Saúde está atento a isso.
 

Uma das discussões em aberto é o financiamento do SUS, ou melhor, seu subfinanciamento. A tese de que "a saúde não precisa de mais recursos, precisa de mais gestão" não se sustenta em dados reais. O SUS necessita, sim, de um aprimoramento da gestão.
 

O ministério tem adotado medidas neste sentido, como a parceria com hospitais privados de excelência que permite a transferência de tecnologia de gestão e a qualificação de profissionais da rede hospitalar federal. Só no ano passado, por meio de negociação com fornecedores e ajustes internos, reduzimos os gastos em R$ 400 milhões.
 

Além disso, os órgãos vinculados ao Ministério da Saúde firmaram uma contratualização de metas e resultados.
 

Mas não há gestão que resolva por si só o déficit do sistema. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) , os planos de saúde privados, que não rasgam dinheiro, gastam, emmédia, R$ 1. 428 com cada associado por ano. A rede pública, apesar de oferecer uma gama muito maior de serviços
(transplantes, vacinação, medicamentos de alto custo), tem gasto médio per capita de R$ 675. O valor corresponde a R$ 1, 56 por dia. Ou seja, a cada dia, não temos sequer o equivalente a uma passagem de ônibus por pessoa para fazer saúde no Brasil. O IBGE aponta que são as próprias famílias que mais aplicam recursos para ter acesso aos serviços de saúde. Da despesa de consumo final com bens e serviços de saúde no país, 62% são gastos particulares e 38% do poder público.
 

E a situação vem se deteriorando.
 

Em 1995, segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil estava na 61ª posição em recursos aplicados para cada cidadão. Em 2006, havia caído para a 78ª colocação.
 

O Brasil está atrás de países como Andorra, Catar, Costa Rica, Panamá, Argentina, Chile, México, Uruguai, Chipre e África do Sul. O SUS abrange 100% da população, mas atende 80% como única forma de acesso à saúde. Para isso, consome 3,5% do PIB, enquanto os demais países com sistemas de saúde universais dedicam, pelo menos, 6% do PIB.
 

Os EUA gastam 17% do PIB com saúde e, apesar disso, 50 milhões de americanos não têm garantia de atendimento.
 

O presidente Barack Obama defende a aplicação de recursos da ordem de US$ 1 trilhão para mudar essa realidade. Enquanto isso, o Brasil, que já tem um sistema universal, observa candidamente o subfinanciamento levar o SUS à asfixia, com uma lenta e inexorável degradação de seus serviços.
 

Por isso, sempre defendi a regulamentação da emenda constitucional 29, que obriga os estados a cumprirem os 12% de aplicação de recursos em saúde pública e os municípios, 15%. A ausência de regulamentação do texto no Congresso acaba por permitir a inclusão de despesas que não são ações e serviços de saúde. Esta medida trará cerca de R$ 5 bilhões para o sistema. A regulamentação também estabelece um novo patamar de financiamento à União que, no conjunto dos gastos públicos, vem progressiva e proporcionalmente reduzindo a sua participação.
 

A questão é que a União, estados e municípios não podem aumentar suas despesas sem ampliar as receitas. Por isso, o Congresso incluiu, dentro da regulamentação da emenda 29, a criação da CSS (Contribuição Social para Saúde) .
 

O tributo tem uma taxação baixa, de 0,1% sobre todas as movimentações financeiras. Só quem recebe acima de R$ 3. 200 recolherá a contribuição – 70 milhões de pessoas estão isentas, incluindo os aposentados. Acima deste piso, haverá uma contribuição de apenas R$ 1 para cada R$ 1.000. Para a saúde, trata-
se de um montante de R$ 11,5 bilhões. É um valor que será obrigatoriamente acrescido aos gastos do setor e dividido entre União (50%) , estados (25%) e municípios (25%) . Muitos são os críticos à criação do tributo, mas esses críticos não apresentam uma alternativa.
 

O Ministério da Saúde está aberto à discussão de outras formas de financiamento.
 

Mas não pode aceitar que continue a ter voz o discurso fácil de que "a saúde não precisa de mais dinheiro e sim de mais gestão". O aprimoramento da gestão é crucial. Mas precisamos de mais recursos, sim.
 

 

*José Gomes Temporão é ministro da Saúde.
 

 

(Fonte: O Globo, 30/09/2009)