Publicidade de marcas privadas com dinheiro do SUS
Neste texto proponho seguirmos o fio de uma reflexão que, acredito, esteja relacionada com a perversão dos princípios do SUS. Esta perversão é operada de dentro do sistema complementar de saúde. Como sabemos, o sistema complementar tem um espaço de atuação regulado legalmente. Porém imperam em suas operações as puras regras de mercado.
Ora, este espaço para atuar como livre iniciativa na área da saúde é questionável. O caso que descrevo abaixo pode ser visto como concorrência desleal, quando consideramos o demais atores do mercado privado. Mas a questão central é; Deve a saúde ser tratada como mercado gerador de lucros?
Os convênios privados que o SUS celebra tem sido deturpados e atuam como vampiros que sugam o sangue do espírito da norma constitucional que institui o próprio SUS.
Gostaria de saber se o Sul é pioneiro, único ou mais um, neste ataque articulado e orquestrado a partir dos convênios com o sistema complementar.
Ainda sobre as Parcerias Público-Privadas.
Novamente usando o exemplo do Mãe de Deus e a Secretaia Municipal da Saúde de Porto Alegre, vamos analisar mais um abuso do recurso público, realisado em favor de uma marca empresarial privada. A confusão entre atividades de filantropia de uma empresa que tem interesses no mercado privado de saúde e a entidade eminentemente filantrópica deve ser alvo de investigação do Ministério Público, em nossa opinião.
Aos fatos:
Nos últimos anos a Marca Mãe de Deus tem entrado agressivamente no mercado de publicidade no Rio Grande do Sul. Temos avaliado a coincidência deste novo investimento da dita entidade filantrópica com a instituição do banco de horas em acordo coletivo entre o sindicato patronal e o SINDISAÚDE-RS.
Aparentemente um significativo montante de recursos que estava contabilizado como custo com salários referentes ao pagamento de horas extras aos trabalhadores daquele complexo hospitalar tem sido remanejado para as contas de publicidade da marca Mãe de Deus.
Esta suspeita é mais grave se considerarmos que a gestão do hospital é suspeita de ter fraudado os registros do Banco de Horas, no sentido de não dar as folgas referentes as horas extras feitas pelos trabalhadores. O banco de Horas é duplamente prejudicial aos trabalhadores: de um lado porque paga em folga um valor que era devido em dinheiro, de outro, porque remunera uma hora trabalhada com outra de folga, sendo que o devido em dinheiro era acrecidos de 100 a 150% de adicional, conforme o turno, diurno ou noturno, em que a hora extra era realizada.
Mas o destino que este novo recurso, auferido do banco de horas, no qual há indícios de fraude generalizada, é investido em publicidade ilegitima. A filantropia realizada pelo hospital, como já demostramos, é financiada totalmente com recursos públicos. Além disso, o conteúdo da publicidade que é feita pelo hospital remete a marca Mãe de Deus uma série de benefícios públicos que são financiados pelo Sistema Único de Saúde, sendo estes os mais bem pagos pelo governo.
O exemplo mais chocante é a propaganda em que um ator fala como paciente de transplante agradescendo ao Mãe de deus pelo transplante que realizou. É caso para o Conselho Minicipal de Saúde recorrer ao CONAR – Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária.
O programa nacional de transplantes é o resultado da artuculação de vários serviços conveniados ao SUS. Todo o procedimento é pago com recursos públicos. Ou seja a sociedade é quem paga os transplantes e sustenta toda a cadeia de serviços que atuam na área. Nada pode ser mais ilegítimo do que vincular a uma marca privada, ainda que se pretenda filantrópica (coisa que sabidamente não é) a esta política de saúde que é um bem público.