Um grande Mercado

9 votos

 

Um enorme mercado de 65 à 75 Bilhões de reais. Logo serão mais de 100 Bilhões de reais ao ano. É impossivel ocultar um pequeno fio de saliva que escorre pelo canto da boca. Logo será uma espuma branca emoldurada por uma carranca sorridente num gesto de apontar o dedo e gritar: Quem dá mais? Temos vida em vários sabores e disabores, quem dá mais? Não dá para resistir a tentação de saquear o volume de recursos que o público dispõe. Fizeram com o ambiente. Agora é a hora de saquear a própria potência da vida, afinal os recursos naturais estão escassos…

Isso é visto, pelos operadores do mercado da saúde, como uma revolução mercadológica num pais que só recentemente ascendeu a categoria de emergente. O gigante, antes eternamente em desenvolvimento e "varado" de bolsões de miséria terceiro-mundista agora tem dinheiro para levar políticas sociais até os seu povo. É uma espécie de novo eldorado do capitalismo.

Toda a cadeia de produção que envolve a saúde desde a pesquisa e produção de métodos, técnicas, aparelhos, e medicamentos está em ebulição. E então, lemos por entre as linhas dos contratos de Parcerias Público-privadas, Fundações e OSs: Quem dá mais?

Cada vez mais o conhecimento acumulado em milhares de anos irá trazer mais possibilidades de afirmação da vida. Cada vez mais os senhores das "luzes", da "produção" e da "eficiência". Os avatares da racionalidade cartesiana terão a fissura que os viciados em crack conhecem bem.

Cada conquista humana, purgada de seu potencial de gerar o comum, da potência de significar o humano em tudo que nos cerca, será embalada e despachada ao mercado em busca de seus consumidores. Tudo se reduzirá, em seu delírio louco, ao que se consome e todos serão o que consomem. Eles se perguntam como nós podemos pensar em universalidade, eqüidade e integralidade. Os princípios do SUS barram a tendência de unificação do mercado de bens simbólicos (nos termos descritos por Pierre Bourdieu) em torno do deus mercado e do valor monetário.

Evidentemente que nesta lógica de entregar o público ao interesse privado, o produto é que definirá o consumidor, a coisa definirá o humano. E por isso que eles desejam que nada possa escapar a lógica de gestão mercadológica. Todos os bens simbólicos devem estar reduzidos ao valor e ao sentido monetário. E deste sentido derivarão todos os demais. Um nazifacismo reificado na linguagem.

Exatamente o oposto da reforma sanitária em que práticas de reciprocidade e de economia da dádiva estão pressupostas. Produzir saúde, em minha opinião, é também uma troca de dádivas exatamente nos termos defendidos por Eric Sabourin (1999). Assim a saúde é promovida em encontros felizes em que se afirmam e potencializam as apostas na vida.

Poderia ser este encontro reduzido ao bem simbólico monetário em que o signo do valor se expressa na vida alienada e submetida ao valor moeda? O Grande mercado da saúde é um encontro muito triste, seu pleno sucesso é o pleno fracasso da vida, para unir num parágrafo o pensamento de Espinosa, de Bourdieu, Éric Wolf, Sabourin, Ricardo Teixeira, Eduardo Passos, Regina benevides, Sérgio Arouca, Eleutério Rodrigues Netos, entre tantos outros. Que conexão de potências afirmativas da vida estes niilistas do pensamento reducionista querem afrontar com seu ataque a norma constitucional e ao SUS.

Nesta afronta arrogante identifico o sentido de guerra que expressei na Post sobre a vitrine de São Paulo. Não pode, para eles, haver um SUS nas bases democráticas e sociais que inscrevemos com muita luta na carta magna. Ele, o SUS, deve ser profanado, como toda e qualquer lei que não emane e reverbere a lei "única" do mercado.

Por isso, afirmei que não há trégua possível: Nos EUA, Obama é socialista, no Brasil nós temos que ser eles "os senhores da racionalidade cartesiana" do humanismo facista de mercado.

Pois eles, que atacam o SUS, se vestem com os mesmos jalecos que usamos, citam seus títulos acadêmicos pagos com bolsas de estudo alimentadas com recursos públicos. Pois é, estão entre nós, remunerados pelo dinheiro público, nas universidades e, mesmo dentro do MS e do SUS. Celebram com a autoridade dos mandatos eletivos os contratos que ferem os ideais da reforma sanitária e da democracia.

Mas reafirmo: O dinheiro não é mais do que um valor simbólico entre todos os valores e bens que humanidade produziu. O mercado monetário não é mais do que um dos muitos mercados que se relacionam a economia da vida.

Por traz da vitrine anti-SUS de São Paulo está sendo aquecido o ovo da serpente de quem reduzindo os valores a um único e fundamental valor, esconde o niilismo e a pressa em se autodestruir, levando a nós todos em seu suicídio.

Querem, a morte com M maiúsculo, de Saramago, ao querer que só os que possuam a chave do código da lei do mercado – muito dinheiro – possam ter muita vida. Vida é por definição, vida plural e farta. Ao selecionar entre todos os poucos que terão acesso ao melhor é evidente que negam a vida.

Podemos ver a fartura da vida em cada célula viva, ou morta. Elas estão guardando toda a informação acumulada em centenas de milhões de anos, numa dupla espiral em forma de hélice. Não há valor ou escassez que exija um leilão da dignidade humana.