Quanto custa ter direitos?

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Reforço a questão dos custos dos direitos. Na escassez, podemos ser solidários ou mesquinhos. Um diagnóstico situacional de nível macroeconômico revelaria qual o custo real, ou pelo menos uma estimativa razoável, da proteção social no Brasil. Não temos tido a coragem para dar esse primeiro passo. Nossa expectativa é baseada na pressuposição de que há recursos para tudo e qualquer coisa. Fazemos de conta que a inscrição de um direito é, em si mesmo, a alocação de recursos. Não é.

Poderíamos estar implicados em evoluir da renda mínima para a distribuição de renda. Mas esta não é uma tarefa que possa ser traduzida plenamente em políticas públicas. É preciso inscrevê-las na cultura. Políticas públicas emergem de plataformas eleitorais vitoriosas.

Imagine um candidato vencedor que tenha dito ao eleitorado que o problema da saúde mental tem sua etiologia principal na qualidade das relações familiares, comunitárias e sociais. Pense numa plataforma vencedora que indique as micropolíticas do cotidiano como as mais importantes causas dos problemas com as drogas, da violência contra a mulher, contra os idosos e contra as crianças e muitos outros… Um candidato vencedor que não apontasse culpados, mas estabelecesse a corresponsabilidade e a coesão social em torno de um projeto político, está além da postura que a mídia, a academia e o poderio econômico tem estimulado em nosso eleitor médio.

Trata-se de uma questão de colocar o problema social em sua dimensão mais ampla e enfrentar as questões mais urgentes. Desse modo seria possível otimizar o consumo de recursos. Nas questões de saúde pública, faríamos cortes de despesas a partir de critérios técnicos, de acordo com seu potencial de resolutividade e impacto epidemiológico. Da mesma forma na educação, na segurança pública e assim por diante.

Para sabermos se podemos bancar os Direitos Sociais e Humanos de acordo com o que a Constituição Federal prevê, seria importante saber se de fato temos os recursos necessários. A consequência direta, seria sabermos o que sacrificar em nome dos direitos básicos e das garantias individuais. Isso não acontece, justamente porque há uma distribuição desigual e irracional dos recursos públicos. Pouca gente se beneficia muito dos impostos recolhidos de todos. E muita gente vive à margem do Estado democrático de direito.

A beleza na formação da riqueza pública é a solidariedade implícita no fato de que os sadios, trabalham e pagam pelo tratamento dos doentes. No fato afetivo de que os letrados financiam a alfabetização das crianças. Na verdade de que as gerações passadas emprestam às futuras as condições para o conforto que nunca tiveram…

Nesse sentido, é que acusei a farsa da judicialização do direito à saúde. No limite, o juiz deveria dizer de onde o recurso para efetivação da sentença será tirado; o político apontar quem perderia seu lugar de privilégio com a atenção as pessoas em situação de vulnerabilidade; e a sociedade como um todo, ser madura o suficiente para suportar dividir de forma equitativa estes custos.

Atualmente, estamos tomando emprestado de um futuro incerto, as pretensas garantias de nosso bem estar. Dá para compreender a desconfiança que paira no ar. O que não tem um sentido potente é a recusa de entender, ou explicitar, as razões de nosso medo.

Talvez seja uma herança da forma de pensar que levou Gilberto Freyre a elaborar Casa Grande e Senzala, ao pensar nossa pretensa integração étnica e a delirada democracia racial brasileira. A aspiração das elites agrárias brasileiras de conciliarem dominação e escravidão com paz social, não passa de uma alucinação confortável. Infelizmente a ideia de democracia racial contaminou o senso comum. Atualmente temos dificuldade de superar o racismo, em primeiro lugar porque o negamos ou sublimamos.

Essa mesma maneira de pensar faz com que nosso arcabouço legal de proteção e promoção da distribuição de renda possa existir na forma de direitos legais que na prática não podem ir muito além da letra morta. Ao não reconhecermos os custos dos direitos sociais, podemos agir em dois níveis: Um do discurso político, das intenções e da busca superação de nossa iniquidade e, outro, do pragmatismo político que não é enunciado mas delirado como sendo uma postura realista.

Por exemplo, ninguém diz que é contra as cotas por que elas criam uma nova reserva de vagas nas universidades. Ninguém consegue assumir que sua contrariedade vem do fato de que foram ampliadas as cotas que sempre existiram. Se não há vagas para todos na universidade, a criação de mais cotas, além daquela que cabia a elite branca tradicional, fará com que as posições de privilégio sejam modificadas. As pessoas racionalizam argumentado que as cotas são injustas porque não reconhecem o mérito. Mas o mérito é uma alucinação que visa ocultar o privilégio histórico, estabelecido pelo colonizador branco.

O fato é que se não há lugar para todos na universidade, o problema é distribuir de forma equânime as vagas disponíveis. De forma objetiva, isso é o Pró uni, isso são as cotas raciais e sociais: Uma mudança no padrão de distribuição de privilégios. Não criamos as cotas. Ampliamos elas para uma parte da população que era historicamente excluída.

Isso é gestão da escassez. Existem situações em que a disponibilidade de recursos é farta. A série de imagens no início desse post demonstram que a distribuição de recursos naturais é desigual pelo mundo. Fome e sede inscreveram em nosso instinto uma estratégia de luta por insumos necessários a vida e sua reprodução. O caso é que atualmente, a sobrevivência em questão não é a de um ou outro grupo, étnico, religioso, político ou nacional. As civilizações humanas é que estão em cheque.

O problema dos alimentos, da água potável e da inclusão digital não são desconectados das questões referentes a violação dos direitos humanos e sociais. A falta de uma fonte de energia degenera em convulsões sociais que emergem como supostos efeitos de nacionalismos de extrema direita, disputas raciais e conflitos religiosos.

No Brasil estamos vendo que a mera perspectiva de desaceleração da economia é suficiente para a radicalização dos conflitos de interesse. O mais preocupante é que quando servidores públicos bem remunerados buscam aumentos salariais baseados em expectativas futuras, o sinal é que há um pânico irracional em relação ao devir coletivo. Em lugar de gerirmos nossas riquezas em biodiversidade e fontes de energia limpa, estamos nos engalfinhando numa luta insana por um espólio declinante: Os cofres de municípios, estados e federação.

A riqueza não é produzida nos governos, embora seja sim, financiadas pela economia estatal. Ela é produzida nas relações sociais. Relações sociais de dominação e exploração é que potencializam a escassez. Do mesmo modo que relações sociais solidárias, igualitárias e fraternais potencializam as condições de fartura e abundância.