O que Lembrar no Dia de Finados?

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A pergunta pode parecer desprovida de sentido, afinal, o nome do dia já nos alerta que devemos (ou deveríamos) celebrar a memória daqueles que já morreram.

A origem do dia de finados se perde no remoto passado do cristianismo. Durante séculos, os cristãos realizaram peregrinações aos túmulos daqueles que haviam morrido em martírio. Com o tempo desenvolveu-se a crença que a visita a estes túmulos favorecia a ocorrência de milagres. Mas o que acontecia à memória dos mortos comuns, aqueles que não haviam sido mortos pela sua fé? A maioria era relegada ao esquecimento.

Assim, em alguns momentos do ano, buscou-se celebrar um período onde os mortos comuns pudessem ser relembrados e serem objeto de intercessão dos fieis. A partir do século XI a Igreja incorpora oficialmente essas celebrações e é no século XIII que o 2 de novembro passa a ser comemorado logo após o dia de todos os santos (1 de novembro).

O que se percebe é que. nos últimos anos, essa data parece estar perdendo sua importância dada a transformação de hábitos e costumes impostos pela mercantilização da sociedade. Lembro-me que na minha infância (40 anos trás) as rádios tocavam música ambiente por todo o dia e as pessoas eram estimuladas a permanecerem em casa. Qualquer comportamento tido como mais extrovertido era recriminado pelos mais velhos. Meu imaginário foi povoado por histórias de punição divina daqueles que teimavam em achar que o dia dos mortos era um dia como outro qualquer.

Hoje, podemos ir ao cinema, passear no zoológico e alimentar os macacos sem culpa. A laicização da morte e o redesenho da sua inserção no profano pode fazer com que parte de nós passe o dia de hoje sem pensar na morte e no morrer.

Mas é neste ponto que peço mais a atenção de todos. Talvez o papel mais importante do dia de hoje não seja tanto a celebração da mermória dos mortos mas também nos lembrarmos de maneira inequívoca da nossa própria finitude. Em dias mais próximos ou distantes, seremos nós mesmos os "homenageados" neste dia. O que torna o dia de finados algo mais desalentador não é tanto o fato de ser um dia sobre a morte mas talvez o fato de que no dia específico sobre ela, parte de nós vai se esquecendo daqueles que nos precederam neste mundo.

O medo da morte esconderia então um medo maior, que sempre esteve ao lado do medo de morrer, o medo de ser esquecido. A conclusão é singela. Se quase todos não se lembram ou não sabem do nome de seus tataravós, significa dizer então que nossos tataranetos não saberão mais dos nossos nomes. Estará cumprida então a profecia do poema "Morte Absoluta" de Manoel Bandeira:

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão – felizes! – num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?…"

Morrer mais completamente ainda,
– Sem deixar sequer esse nome.

Podemos assim, tirar duas metas no "Dia de Finados". A primeira é que se lembrar daqueles que já partiram não traz necessariamente vida aos mortos mas a nós mesmos. Pode ser um dia em que demarcamos melhor as nossas individualidades e podemos perceber nossas virtudes e defeitos como parte da herança que nos foi legada. Celebrar a memória faz com que possamos nos olhar no espelho da história e, de forma mais diligente e consciente, buscar melhorar a própria imagem. A segunda é trazer à tona a percepção cristalina de que esse dia não pode ser percebido com indiferença, é trazer a morte para a equação da vida como algo que nos faz refletir sobre escolhas e caminhos. A morte nos lembra que a vida é preciosa demais para ser desperdiçada! Assim, no dia de finados, celebremos também a busca da plenitude da vida!