Hospital Giselda Trigueiro & demais Unidades preparando-se para receber a devolutiva dos pesquisadores do LAPPIS-UERJ

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Em 2012 uma experiência de Educação Permanente em Saúde, entremeada com ações de “apoio matricial” entre um grupo formado por profissionais de 4 instituições da RAS, teve início articulado no Hospital Giselda Trigueiro (HGT) a partir de demandas de trabalhadores da Enfermagem encaminhadas para sua gerência, à Direção Geral, e ao Núcleo de Educação Permanente do Hospital.  Cadastrada em 2013 como relato, na Convocatória do Lappis-UERJ em parceria com a PNH– Dapes- MS, fomos selecionados como um dos campos para pesquisa multicêntrica e recebemos em outubro a 1ª visita dos pesquisadores Rafael Gomes e Jhanaína Mariano César. Destacamos nesta experiência a grande colaboração que recebemos de todos os profissionais aqui retratados nas imagens, representando inclusive as demais instituições Hospital João Machado, Consultório de Rua (2012-2013), e o CAPS-ad Leste já citados, e sem os quais  este trabalho não existiria.

A idéia de publicar o relato desse trabalho coletivo na Convocatória, surgiu quando nos deparamos com as “Narrativas” escritas por profissionais de Enfermagem do Hospital que nas ações das Oficinas, aceitaram participar também de um “estágio interativo vivencial” de 20 hs no Caps-AD Leste , com posterior escrita de suas vivências na forma de narrativas (parte das metodologias ativas de Educação permanente no SUS).

As oficinas chamadas “Hospital Giselda na RAPS” iniciadas em agosto de 2012, nasceram a partir de inquietações do corpo clínico da enfermagem, o qual tem vivenciado no cotidiano da atenção, novos desafios e inquietações advindas do grande aumento de usuários que apresentam necessidades de saúde decorrentes do uso de crack e outras drogas, durante as internações para tratamento de Aids e Tuberculose. Ampliar práticas de cogestão através da estratégia de Educação Permanente em Saúde-EPS, significa apoiar ações que partem das necessidades de transformação dos processos de trabalho, percebidos no cotidiano das relações pelos trabalhadores, usuários e gestores. A estratégia pensada foi agenciar profissionais da rede de saúde mental para ofertarem esse apoio. 

No período de junho de 2012 a novembro de 2013, a equipe de Educação Permanente (EP) do HGT junto aos diretores do Hospital mobilizou então, gestores e profissionais da área técnica de Saúde Mental das Secretarias do estado e município de Natal, no sentido de acolhermos juntos essa demanda, fomentando aprendizados nos modos de operar práticas de cuidado mais adequadas aos usuários do SUS, especialmente com necessidades de saúde decorrentes da comorbidade do uso abusivo de drogas com tuberculose e Aids, cada vez mais frequente nesse Hospital, o que trouxe o  aumento das demandas para o sofrimento psíquico, agitação psicomotora e outras singularidades relacionadas a crises de abstinência, ou ao uso do Crack apontado pela enfermagem, como tema central; com o agravante de que o HGT está há mais de 2 anos sem profissional de psiquiatria no seu quadro médico, mesmo após reiteradas solicitações das direções clínica e geral, ao nível central da SESAP.

Nas 6 Oficinas abertas de 2012, tivemos como estratégia convite aberto, a cada encontro, convocando-se todos os gerentes de Unidades do HGT, apoiadores e trabalhadores da assistência através de e-mail do Colegiado Gestor Ampliado, além dos informes coloridos nos 10 quadros de aviso espalhados pelo Hospital. Além dos muitos participantes ocasionais, observamos no decorrer das primeiras Oficinas a firme adesão de pequeno e assíduo grupo de trabalhadores, formado principalmente por Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem, e Assistentes Sociais. As Oficinas sempre revistas em suas temáticas de forma coletiva pelos colaboradores, e coordenadas por uma Psicóloga do NEP-HGT, contava principalmente com dois Psiquiatras do CAPS-ad-Leste , sendo uma vinculada à SMS , e o outro Supervisor clínico institucional e docente da Universidade Potiguar , além da Assistente Social  que trazia rica experiência em Residência Terapêutica e Moradia Assistida, dentre ações da Reforma Psiquiátrica no Hospital João Machado.

Apostando-se nesse grupo mais coeso e comprometido, ainda em 2012 priorizou-se inicialmente um grupo de trabalho e estudo interinstitucional em Projeto Terapêutico Singular- PTS , especificamente voltado à demanda de alguns usuários que transitam pelos serviços de forma crônica e recorrente, circulando entre o Hospital Giselda Trigueiro, o Hospital João Machado , o CAPS-Ad-Leste, e o então Consultório de Rua  (CR). No mesmo ano, 4 profissionais Enfermeiras e Técnicas de enfermagem do HGT mais assíduas, aceitaram vivenciar um estágio interativo de 20 hs no CAPS-ad- Leste , ocasião em que também foram incentivadas pela coordenadora do NEP a escreverem Narrativas sobre suas experiências e reflexões, advindas destes estágios.
Após 4 meses em que realizamos 6 encontros das Oficinas, recebemos as “Narrativas Reflexivas” das enfermeiras que aceitaram  a oportunidade de vivenciar interativamente, a rotina de práticas de cuidado no cotidiano de um CAPS- ad por 20 hs, o que lhes propiciou o entendimento de novas possibilidades da relação cuidador-usuário, conforme apontam os relatos a seguir, autorizados para publicação, por Enfermeiras do Hospital Giselda Trigueiro, em dezembro de 2012:

A partir das dificuldades de se lidar e trabalhar com Dependente Químico, procuramos maneiras de atender as necessidades destes, em sua maioria com Tuberculose e Aids, amenizando as fases da abstinência. Na ausência da droga, presenciei cenas diversas, entre elas agressões físicas entre pacientes, precisando que eu acionasse a vigilância e médicos para sedação. Os medicos infectologistas e pneumologistas por sua vez, desconhecem o tratamento específico para cada fase da doença. Temos sérias dificuldades no Pronto Socorro e nas Enfermarias com usuários de álcool e drogas; então procuramos ajuda no sentido de mantê-los internados para o tratamento, mas sem causar danos aos profissionais que cuidam, e nem aos demais pacientes. Após esclarecimentos nas Oficinas, hoje vejo o usuário de álcool e drogas como doente necessitando da maior de nossa ajuda, e não como um bandido que vem à internação para bagunçar e causar transtornos no nosso serviço.(V.M.) Acerca das vivencias no CAPS, perceberam a horizontalidade de atribuições da equipe interdisciplinar, onde todos fazem várias atividades recíprocas, mantendo poderes horizontalizados em relação aos usuários, para  inclui-los nas ações de cuidado, e trabalhar  a  autonomia dos mesmos : chamou a atenção que todos cuidam do espaço, a Assistente Social, a Enfermeira e a Psicóloga todos fazem ações semelhantes em relação à presença deles, a organização das atividades.” (M.S.C.) … “Os procedimentos mais individuais de cada caso que se vai fazer é combinado antes com eles, tudo é negociado antes, embora sem deixar de estabelecer limites e regras, que são combinadas com eles, e não impostas, é interessante como elas conseguem …” (V.M.).

Mencionaram também o respeito e consideração que os usuários de drogas tem para com os cuidadores do CAPS, comparativamente à agressividade e rebeldia percebidas e referenciadas pelos profissionais do Hospital, durante internação hospitalar.No começo do estágio não poderíamos participar do grupo terapêutico, mas depois que conversaram entre eles, eu pude participar junto nos Grupo de Familiares, e depois no Grupo de Corporeidade onde usuários e profissionais relaxam, eles  compartilham também as atividades recreativas  com os usuários … juntos sempre eu e eles,  ao redor da mesa de refeições, nas reuniões também”…. “Nos Grupos Psicoterapêuticos eu pude escutar os relatos das historias de vida destas pessoas, suas alegrias, afetos e recaídas, suas dificuldades e fases de melhora como todo humano tem, como acontece em toda família, me tocou muito mesmo, e em qualquer uma pode ocorrer.(Z.M.) E narram: Durante as dinâmicas de Grupos, vimos como eles sentem-se bem em estar em ambiente acolhedor, onde interagem e se divertem, lado a lado com a equipe, assim sentindo-se importantes e semelhantes aos outros, à nós da própria equipe o que ajuda para que nos tratem com afeto e respeito; e não  só com agressividade ou ameaças como as colegas imaginam lá no Hospital que vá acontecer sempre (M.S.C.).

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O Estágio vivencial no Caps, evidenciou novas percepções das enfermeiras, acerca das necessidades de saúde mais amplas e integrais, por parte das pessoas que fazem uso de drogas, associado a Tuberculose e Aids. Assim, após o contato destas profissionais com práticas de cuidado pautadas sobretudo nos princípios da Reforma Psiquiátrica, no vínculo de confiança que aceita a diferença, seguido de pactuações construídas com os usuários, ampliaram nestas profissionais a percepção das práticas inclusivas como práticas menos assistencialistas, enfatizando a  coresponsabilização dos usuários  pelo vínculo; um vínculo que não julga e nem amedronta !
Esses efeitos apontam para a necessidade de verificarmos as linhas de força presentes na relação profissional-usuário,  no sentido de se construir a interface comum, que é o vínculo; lembrando-se ainda que, os preconceitos de qualquer ordem comprometem nas instituições de saúde essa efetiva operação da demanda, com a oferta do cuidado, como  lembra EICHELBERGER (2012).