Após um estágio feito em um dos grandes hospitais de Brasília me questionei sobre o processo de trabalho nos hospitais do SUS, pois existe uma superlotação dos PS decorrentes de agravos de doenças que poderiam ser controladas, além de atendimentos que deveriam ser sanados/filtrados pelas unidades básicas de saúde. Percebi que a visão hospitalocêntrica e do cuidado médico prevalece nestas instituições onde o cuidado centrado na patologia e não no sujeito. A partir disto, percebo que é necessário que mudemos a forma de trabalhar/gestão do trabalho dos serviços de saúde do SUS focando a atenção integral do sujeito e do acompanhamento continuo de sua saúde com a foco na atenção básica, diminuindo assim os agravos e consequentemente as filas dos PS. Acredito que uma das soluções seria o foco em unidades produtiva, no apoio matricial e no atendimento multiprofissional, diminuindo o atendimento por especialidades e filtrando as reais necessidades de atendimentos especializados em hospitais de nível terciário, contribuindo com o melhor fluxo dos serviços e atendimentos.
5 Comentários
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Por Carlos Rivorêdo
Olás e, principalmente, olá Patrícia.
Como o Fábio afirmou, você aponta questões fundamentais para o desenvolvimento do SUS. Gostaria de colocar alguns elementos na fogueira dessa discussão.
Primeiro, do ponto de vista teórico, o que nós da PNH e na RHS defendemos é uma mudança radical na cultura das instituições de saúde. Tão radical que chega às raias do utópico. A indissociabilidade entre a clínica e a gestão é uma busca que, tenta fazer dialogar duas racionalidades diversas e, muitas vezes, antagônicas. Isto porque as origens das duas são absurdamente diferentes. Uma, a clínica, desenvolvida a partir e para o indivíduo, travestindo-o de objeto de uma prática e de um saber próprio e que, na sua operação, torna-o um sujeito abstrato. A Clínica, conforme até hoje conhecemos e que está fundada em raízes racionais e científicas, opera uma dupla abstração do sujeito concreto. Quando alguém vai à procura de ajuda para um incômodo qualquer se depara com um outro sujeito que, para praticar o seu ofício, necessita decodificar o próprio incômodo relatado. Daí, emerge uma primeira abstração: o incômodo relatado ou demostrado torna-se um signo, ou seja, o sintoma relatado ou evidenciado, recebe uma tradução imediata, quase automática, e é traduzido de sintoma a sinal. Dor de cabeça se traveste de cefaléia. Primeira decodificação que retira do sujeito o poder sobre o que sente. Passo seguinte: submeter o sinal a uma operação racional que o esquadrinha, classifica, ordena e que o enquadra em um jogo de probabilidades que tem como produto final a elaboração de um quadro que, ao fim e ao cabo, permite a prescrição de um plano de intervenção. Para mim, esse trajeto do pensamento tornou-se, pelo andar da História, universal (incluindo o próprio sujeito desejante). Mesmo a outra face da moeda (o pensamento coletivo, próprio da gestão), utiliza o mesmo percurso. Ocorre que, diferença fundante, e que transforma a comunicação e compreensão entre gestão e clínica, um diálogo entre surdos, os objetos de uma são muito diversos dos da outra. É como se um falasse em aramaico sobre as águas do Mar Morto e outro sobre as árvores da floresta tropical, em tupi. O Gastão, penso eu, se depara com esse dilema, mesmo que seguindo linha de raciocínio diversa, quando forja a expressão " Clínica Ampliada", expressão que considero epistemologicamente complicadíssima. Mas, quem sou eu para questionar "O Cara"?
Segunda dimensão. Organizacional. Obviamente não podemos cair na armadilha de culpabilizar um ou outro nível da atenção à saúde pela superlotação dos PAs. Contudo, ratoeira onipresente, qualquer gestor se vê entre a cruz e a caldeirinha quando, diante de um sistema da complexidade do SUS, com recursos parcos, precisa decidir aonde investir. Aí, a centralidade da Atenção Básica se torna retórica. Primeiro, porque a assistência hospitalar é muito mais cara, depois, porque seu impacto político-institucional é muito maior.
Adiante. Você traz à tona o complexo tecnológico disponível para o enfrentamento do problemão. São inúmeras as tecnologias disponíveis para organizar um sistema que tem, na sua essência, conflitos de interesses inúmeros. A criatividade humana é incrível. Compreendendo as tecnologias como dispositivos criados pelo homem para resolver problemas (simplista, não?), cria-se de tudo e nada parece ser definitivo. E não será, porque são criações humanas, sempre parciais. Contudo, é o que se dispõe. Trata-se de aplicar com afinco e mente aberta às modificações necessárias.
O que ocorre, muitas vezes, é que a gestão, até por se ensimesmar, não consegue manter o diálogo com a clínica e esta, por ter a tradição a seu favor, não consegue abrir o olhar para incluir os coletivos no seu sistema de pensamento.
O rol de tecnologias disponíveis é enorme, das mais simples, como operar as unidades da Atenção Básica até às 21 horas e aos sábados, às mais complexas, como estabelecer uma dinâmica de gestão da clínica com seus eixos fundamentais.
O Movimento HumanizaSUS e a PNH tem potência para enfrentar esse dilema. Dilema que traduz a necessidade de mudança radical à qual me referi no início do comentário. Nossa atuação na Atenção Básica, s. m. j., é, para mim, insuficiente. Os dispositivos e arranjos que a PNH propõe podem e deveriam estar cumprindo a intenção de transversalizar o sistema. Outra quase utopia!
Selecionar as tecnologias disponíveis. Escolher aquelas com maior possibilidade de sucesso. Empenhar-se na sua efetividade. Abrir-se às modificações necessárias durante todo o processo. Exercer a implicação de manter o diálogo sempre aberto. Olha a racionalidade que falei funcionando em mim mesmo!
Beijo fraterno
Carlão
Por Luciane Régio
Bem-vinda à RHS! A Rede HumanizaSUS reune trabalhadores, gestores e usuários do SUS, envolvidos, interessados nos processos de humanização da "atenção e gestão" do SUS. Suas percepções de estágio refletem, exatamente, o que o movimento HumanizaSUS vem trazendo como necessidade e operando rodas de conversas e atitudes que mobilizem atores, sujeitos, para a mudança nos processos de trabalho…
Convido para que conheça a área da Política Nacional de Humanização na RHS, destacando o Documento Base para Trabalhadores e Gestores, bem como as Cartilhas. Há, também, os Cadernos HumanizaSUS, com artigos publicados sobre essas outras maneiras de trabalhar, em corresponsabilização e acolhimento dos usuários e suas necessidades de saúde, sempre relativas, singulares.
Aqui está https://redehumanizasus.net/36080-area-da-pnh
Super importante o que você percebeu já em seu "estágio"!! Que essa energia ajude a construir caminhos para esses desafios… novos profissionais, velhos problemas, sobretudo, outras maneiras de pensar e agir no cotidiano do "SUS". Nosso sistema de saúde preservado, defendido, o que não significa dizer que não possui problemas, eles são pistas importantíssimas, contudo, o modo como os enfrentamos, compartilhando sentidos, pode contribuir para atitudes (afetividade em saúde) ou imobilizar coletivos (crítica pela crítica). Veja este vídeo-aula: https://redehumanizasus.net/85191-rede-de-conversacoes-afetividade-e-servicos-de-saude
AbraSUS,
Luciane
Por alexw
Ainda usamos a lógica hospitalocêntrica, a oferta de serviços de saúde ainda se apresenta desarticulada. A idéia de construção de redes de assistência integral coordenadas por uma atenção primária super qualificada seria uma boa solução, para isso precisaríamos partir do processo de gestão da educação do trabalhador da Saúde.
Na formação, no nível da graduação foram aprovados pelo Conselho Nacional de Educação, em 2001, algumas diretrizes curriculares que definem as competências e perfis das profissões da Saúde a serem perseguidas pelos respectivos cursos. Segundo o livro do Conas (SUS: avanços e desafios) poucas mudanças foram observadas nesses cursos no período e, desde 2005, instituiu-se um programa nacional visando promover e financiar mudanças na graduação por meio da maior integração ensino-serviço, com foco nos cursos de medicina, enfermagem e odontologia. Ainda na graduação, tem-se adotado medidas de regulação com dois eixos principais: um processo sistemático de avaliação dos cursos e a utilização de critérios para abertura de novos cursos, ambos os processos prenhes de conflitos e leituras diversas pelos diferentes atores, aguardando avaliações consistentes.
Na pós-graduação, duas iniciativas recentes merecem ser destacadas pela relevância dos seus objetivos mais que por seus resultados: a criação da residência multiprofissional em Saúde, que estende às demais profissões de saúde, além da medicina, a especialização em serviço, e a residência em medicina familiar e comunitária, voltada à formação de profissional médico mais adequado às necessidades da população e do sistema público de saúde.
Acredito que o foco precisa ser na educação do profissional em saúde para a melhoria da porta de entrada da atenção e no processo como um todo. Com uma melhor qualificação ocorre uma maior valorização do profissional de saúde, independente da área em que atua, com isso, é ampliado os setores de atenção diminuíndo então a superlotação.
abs.
Por fabiobhalves
Ainda poderíamos discutir e aprofundar o tema da Clínica como propôs Carlão.
Penso ser este um tema fundamental que potencializaria o valor de uso necessário para os Usuárixs do SUS.
Sem a Clínica não iremos produzir o SUS e o SUS se reproduzirá com um Modelo de Atenção respensado em novas lógicas de organização da Clínica. A radicalidade utópica está inscrito nos marcos constitucionais da nossa Política de Saúde. Não conseguiremos produzir Atenção Integral e Equidade com a Clínica Oficial. Não iremos constituir Redes de Atenção em Saúde com a Clínica Tradicional.
A Clínica tem se constituído pelos determinantes da especialização, do mercado e do capital, permanecendo refém do complexo médico industrial e sendo degradada pela "modernidade de qualificara atenção" na constituição de inúmeros protocolos. Vamos perdendo um sentido da Clínica (de um outro "em si mesma") que é a Singularização do Sujeito, descartando processos de trabalho próprios das Equipes de Saúde, reduzindo as Ofertas Assistenciais dos Serviços de Saúde e desqualificando as práticas produtoras de Autonomia.
Penso que processo fundamental para discutir o papel da Clínica seja tomar a relação dos seus Objetivos, comprometendo um modo de organizar o Trabalho em Saúde, que sustentaria outros sentidos, além da Cura e Tratamento. Não tenho dúvidas de que também a Cura e o Tratamento não sejam importantes, não descartaríamos esta perspectiva. Mas há que se pensar em outras dimensões.
Há que se articular a Clínica com a Vigilância em Saúde, na tensão de pensar que as ações coletivas se pontencializariam para os Objetivos da Promoção e Prevenção em Saúde. Nesta radicalide utópica, teríamos também que abandonar o processo de Educação e Comunicação em Saúde que seja agenda de Controle e Fiscalização.
Ou seja, o SUS aponta, na sua essencialidade, muitas mudanças importantes e profundas no Trabalho em Saúde.
Saudações de Fábio BH Alves e até a VITÓRIA!!! (Coordenação da PNH)
Por fabiobhalves
Olá Patrícia.
Penso que você pontua temas centrais para o debate da Saúde Coletiva. As suas indagações apresentam termos com profunda reflexões como Unidades Produtivas, Apoio Matricial etc. Você demonstra que tem alguma informação sobre estes conceitos.
Posso afirmar que o debate é exatamente este: mudanças em processo de trabalho, compreendendo a intervenção nos Serviços de Saúde e a indissociabilidade da Gestão com a Clínica.
Talvez seja importante que você aprofunde as diretrizes da PNH e que possamos reconhecer o desafio que temos para qualificar a organização dos serviços.
Penso também que o tema da relação dos serviços e o co-produção do Trabalho em Saúde sustenta o bom debate de Redes de Atenção em Saúde e Regionalização. Temos muitas reflexões aqui na RHS que aprofundaram este tema.
Não tenho dúvidas de que o processo de trabalho deva ser mudado e não poderemos culpabilizar a Atenção Básica pelos problemas da super lotação. Sempre imagino que os Hospitais tambem têm certo papel na constituição desta rede de serviços e que deveremos superar este Hospital como o lugar de receber os usuário como um lugar final e no topo da pirâmide. Temos que considerar que os Hospitais são mais um ponto de atenção, com suas especificações e adensamento tecnológico.
Enfim … vamos fazendo o debate.
Saudações de Fábio BH Alves e até a VITÓRIA!!! (Coordenação da PNH)