Clínica Ampliada e Compartilhada

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Para o MS a Clínica Ampliada surge da compreensão de que há muitas correntes teóricas que contribuem para o trabalho em saúde, distinguindo-se três grandes enfoques: o biológico, o psicológico e o social. Cada um destes tende a considerar mais alguns problemas em detrimento de outros. Nesta perspectiva, esta clínica se propõe a considerar a relação que as especificidades das práticas na saúde têm com estes paradigmas, a depender de cada situação/problema. Importa uma articulação entre diagnóstico (uma certa regularidade) e a singularidade do caso, que pode ser encontrada nas três esferas anteriormente citadas: o biológico, o psicológico e o social, ou na articulação entre elas.
Partindo da situação vivida busca-se uma compreensão complexa, compartilhada do processo saúde-doença, considerando-se a importância da não redutividade do enfoque na doença. Interessa, também, as produções subjetivas e objetivas que a acompanham, a nível individual e social. Colocar na pauta do manejo do tratamento estas considerações, implica em desenvolver processos de gestão compartilhados com processos de atenção, através de uma comunicabilidade transversal na equipe e entre equipes, implica no desenvolvimento de ações intersetoriais, no interesse pela saúde do próprio trabalhador de saúde, envolto em exigências de implicação com demandas subjetivas, muitas vezes, existencialmente dolorosas.
Na práxis da Clínica Ampliada o desenvolvimento da escuta, de vínculos e afetos, da autonomia pressupõe a abertura para a produção de sentido do usuário sobre sua doença e sobre a organização de seu tratamento. Trata-se de permitir que os usuários construam uma análise crítica sobre os atos de quem os tratam, sobre o próprio SUS, assim como, de favorecer que os saberes e considerações do trabalhador em saúde sejam levados em conta. Por isto a necessária transversalização das comunicações, a necessária abertura a subjetividade de todos os envolvidos no processo de intervenção. O diálogo torna-se elemento fundante deste caminhar. Vale dizer que ele pressupõe um bom nível de informação e respeito aos diferentes pontos de vista. Neste momento, o texto faz menção à produção da saúde como produção cultural, que deve andar articulada a cultura local; refere-se à medicalização da vida (medicalização social) como uma ação de invasão cultural e redução do tratamento à doença.
Para esta concepção de produção de saúde há conceitos centrais como: equipe de referência, apoio matricial e projeto terapêutico singular.
As equipes de referência são multiprofissionais e realizam um trabalho inter e transdisciplinar, facilitam “um vínculo específico entre um grupo de profissionais e certo número de usuários” (cartilha Clínica Ampliada – MS). Tanto no contexto da gestão, quanto no da atenção esta equipe necessita de um poder ampliado para tomar decisões relativas ao tratamento de seus usuários correspondentes, transversalizando o poder institucional. Necessita compartilhar poderes com aqueles, no sentido da co-elaboração e corresponsabilização sobre as possibilidades de tratamento.
O apoio matricial caracteriza-se pela intervenção conjunta entre equipe local e equipe de apoiadores, amplificando o campo de possibilidades de intervenções e a autonomia das equipes locais, prestando suporte pedagógico e técnico-assistencial.
O Projeto Terapêutico Singular (PTS), podendo ser co-construído com o apoiador matricial, constitui-se num plano de intervenção que considere as generalidades e as especificidades do sujeito, individual ou coletivo, em questão. “A diferença do apoio e da interconsulta tradicional é que o apoiador faz mais do que a interconsulta: ele deve negociar sua proposta com a equipe responsável” (cartilha C. A. – MS). Conforme esta cartilha, o PTS divide-se em quatro movimentos: 1.  A definição das hipóteses diagnósticas (considerando as variáveis orgânicas, psicológicas e sociais); 2. A definição de metas de curto, médio e longo prazos; 3. A divisão de responsabilidades entre profissionais e equipes; 4. A reavaliação processual. Em sentido amplo, a construção do PTS constitui-se como uma ferramenta de apoio gerencial, na medida em que sinaliza possibilidades, dificuldades, sofrimentos tanto dos trabalhadores como dos usuários.
A proposta da Clínica Ampliada pressupõe um conceito ampliado de anamnese, no qual o diagnóstico passa a sofrer a interferência das ideias, do discurso e narrativas dos usuários, de sua produção subjetiva; um conceito ampliado de tratamento, em que a autonomia e a cidadania do usuário sejam promovidas e respeitadas. Estes elementos são, por si, caracterizadores de um certo que fazer político na clínica, mais crítico e transversal, valorizador do diálogo entre usuário, trabalhador e gestor.