O SUS que dá certo: narrativas e reflexões dos estudantes do VER-SUS São Paulo.

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Antes de iniciar os nossos relatos em São Bernardo do Campo através das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de São Paulo (VER-SUS), consideramos importante explicar o porquê deste título “O SUS que dá certo: narrativas e reflexões dos estudantes do VER-SUS São Paulo”.

Inspirados na coluna da Rede HumanizaSUS, resolvemos intitular a nossa devolutiva para os serviços de saúde de São Bernardo do Campo desta forma no intuito de tornar público nossas impressões e expressões sobre a rede de saúde em São Bernardo… Um SUS que dá certo! Neste contexto, as narrativas são possibilidades para compreender as experiências humanas subjetivas, enfatizando-se o significado, a produção de histórias, os processos de conhecimento e a multiplicidade de formas para captar experiências.

E para a produção de narrativas, utilizamos de questões norteadoras acerca do que vimos, tais como:

• Qual sua visão do SUS antes e após o estágio de vivência?
• Sua expectativa inicial para o estágio de vivência foi atendida?
• O que deu certo? O que deu errado? O que você modificaria?

O VER-SUS São Paulo na cidade de São Bernardo do Campo foi composto de dezoito estudantes de graduações de diversos lugares de São Paulo, inclusive, participação de estudantes de medicina em Cuba. As graduações em saúde pública da USP, serviço social e psicologia da PUC/SP, saúde ambiental da UFU, medicina da UNICID e psicologia, terapia ocupacional, fisioterapia da UNIFESP Baixada Santista se encontram para vivenciar o SUS em suas potencialidades e fragilidades.

Um grupo heterogêneo e singular.

Mobilizando e sensibilizando: o VER-SUS como dispositivo da aproximação entre os estudantes e o campo de saberes e práticas da saúde pública. 

Antes eu tinha uma visão bem falha do sistema [de saúde], eu vivo aqui e tinha uma visão ruim. E eu acreditava que o SUS podia ser aquilo que eu ouvia. E eu tive um choque quando vi o hospital das clínicas. Aqui a gente vê o SUS saindo do papel, isso motiva muito mais a gente continuar lutando. Nós estamos num processo de mudança e isso aqui foi à prova que estamos mudando. Como usuário [do SUS] de Santo André, o VER-SUS hoje me motiva conhecer o sistema público de saúde da minha cidade e com essa vivência eu quero me inserir lá pra continuar a luta pelo SUS. (RM) 

O início das narrativas do grupo de estudantes do VER-SUS São Bernardo aqui é tomado como objeto de análise e do sentimento de mudança que as vivências causam nestas pessoas, e da forma como se dá o seu processo de socialização profissional, a escolha pela saúde pública coletiva. Um tema central visto que o conjunto de suas narrativas orienta e dá sentido as trajetórias de vida. 

Enquanto estudante e futuro profissional do SUS, a minha visão mudou porque algumas cidades o SUS não funciona, a minha militância ganhou mais uma esperança e volto fortalecida, é possível mudança e fiquei surpresa porque eu nunca vi um sistema de saúde funcionando e o que eu tô levando é isso, mudar a realidade de pensamento. Como usuária do SUS eu achava que não funcionava e não via caminhos e eu sei que quem tem coragem e comprometimento dá pra fazer. (SCF)

Acredito que isso instiga cada um lutar para um SUS melhor, lutar por um contexto que você acredita. E vê os problemas você pode desanimar, mas quando você compartilha com as pessoas que tem o mesmo pensamento que você, aí sim a gente começa a buscar soluções e agora eu me sinto mais preparado. Conheci pessoas e aqui criamos um vinculo muito forte. (FDF)

A graduação é um elemento fundamental na formação profissional e representa o contexto institucional onde os estudantes iniciam suas escolhas de acordo com suas aptidões e vontades: política de saúde e gestão, psicologia social, reabilitação funcional e profissional, ortopedia e traumatologia. Os cursos de graduações da área da saúde – e não apenas da saúde – permitem para os estudantes um vasto campo de atuação, mas, e para os estudantes que entram no universo da saúde pública/saúde coletiva, quais oportunidades o sistema de saúde oferece?

Nem tudo o que é ensinado nas faculdades é aprendido pelos estudantes, como também nem tudo o que aprendem lhes é ensinado na faculdade. Muitas vezes é através de estágios e de outras experiências práticas não previstas no currículo formal que o estudante debruça em caminhos para a sua vida profissional. Essas experiências adquirem, muitas vezes, um caráter inicial e costumam ser vividas como espécies de desafios. E os estágios de vivências tornam-se diversos cenários de aprendizagem, seja ele na formação, na militância, nos problemas, no vínculo com o outro.

Nem tudo é um mar de rosas no SUS: as dificuldades e os questionamentos de ver o SUS.

Fazer um sistema ÚNICO de saúde funcionar é difícil, a ideia pode parecer simples, mas a saúde é tão complexa, tão complexa que são vinte e seis anos apostando, pactuando, negociando, disputando projetos para a saúde. Defendemos, aqui, um modelo de atenção à saúde pautada na vida dos usuários, individuais e/ou coletivos, através do cuidado.

Quem tem responsabilidade sobre o SUS é o município e é impressionante saber o que eles estão fazendo, é diferente das outras vivencias que eu fiz. A diferença que eu vejo de BH e aqui são as prioridades. De fato, uma coisa que eu levo daqui é que temos que disputar uma política pública de estado, o SUS é um projeto progressivo e dinâmico e o SUS acaba sendo um ego político. Qual política de SUS a gente quer, uma política pública engessada ou que disputa projetos? São Bernardo trouxe um laboratório de políticas pra mim. (GHTM)

É muito nítido o investimento que tá rolando aqui, não pegou um modelo pronto, estão construindo de acordo com as demandas da cidade, com as especificidades daqui, investir em rede é algo muito sábio, é ai que vai dar uma funcionalidade real ao SUS. Tem muito a se investir na população para que ela seja mais participativa, esse é o caminho para se garantir essa construção, porque em alguns momentos o que vi foi uma população que não tinha informações de como a rede é. Estamos chocados acho que ninguém nunca viu isso que ta acontecendo nesse município. (IAVS)

Uma questão que intrigou e intriga bastante o grupo e acreditamos que esta seja uma discussão nacional é a participação dos usuários nas decisões políticas da gestão municipal. Em uma escala macro, quais são os programas e projetos da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP/MS) para tornar cada vez mais forte a atuação da população nessas conversas? A ouvidoria do SUS funciona mesmo? Como funciona na prática? As experiências em São Bernardo mostrou que a participação social acontece, contudo, em pequena escala e de forma discreta. Ainda tem muita coisa para melhorar!

A participação é um tema complexo porque é uma ação com diferentes interpretações, é uma palavra associada à democracia, representação, cidadania, um processo que diferentes camadas tomam parte da gestão. Às vezes, os usuários não sabem que podem participar. Participação é buscar a emancipação.

Senti falta de discutir com o usuário como ele é? É preto? É branco? É gay? Senti falta dessa abordagem (GHTM)

A gente não tratou do perfil epidemiológico e geográfico. (GBB)

Temos duas falas paralelas e perpendiculares assim como na geometria analítica: de um lado, a necessidade de entender o usuário em suas dimensões étnicas e raciais, os novos modos de enfrentar sexualidades. E de outro lado, os saberes estruturados como a epidemiologia. A epidemiologia, hoje, enquanto ciência voltada para a compreensão do processo saúde-doença em sua prática ela é social ou está interessada em discutir método científico-epidemiológico? São assuntos que andam lado a lado e que se cruzam.

Os serviços de saúde estão preparados para atender a população LGBT em todos os níveis de atenção? A epidemiologia no cotidiano do trabalho nos serviços de saúde é dialógica, faz sentido?

O VER-SUS, assim como o SUS são projetos dinâmicos que mudam, faz girar vidas e políticas. Fazer um estágio de vivência em São Paulo foi uma tarefa difícil – posso dizer que ainda é e será – para os envolvidos nesta agenda estratégica de fortalecimento do sistema de saúde. Os municípios de São Paulo sofrem do sucateamento, oriunda de uma gestão dura, engessada, que não está centrada no usuário. E o VER-SUS traz a proposta de criar uma rede viva entre estudantes, usuários, militantes da saúde, trabalhadores, gestores e quem mais quiser contribuir para a mudança da realidade de saúde que nos envolvem, uma vez que, saúde é um campo social de intensas lutas e batalhas e a produção de saúde é sinérgica, gente para todos os lados dando ideias, palpitando. 

Eu queria ressaltar como é difícil inserir a graduação e a universidade no município, porque será que a universidade não está lá questionando, perguntando, oxigenando? (CVAV)

Levo pra minha vida é que o SUS é um movimento e compreender isso é fundamental, cada território é de um jeito, cada cidade é de um jeito. (BCVV)

O VER-SUS é o irmão caçula do SUS.