A PNH E A PESTE!

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No cotidiano podemos perceber que o discurso da PNH parece de alguma forma sensibilizar os trabalhadores. A ênfase de se buscar discutir os processos de trabalho em saúde e que essa discussão seja de alguma forma coletivizada pelo método da roda (entre outras possibilidades), traz um novo olhar para situações que histórica e culturalmente tem se caracterizado por organizações do trabalho com estruturas hierárquicas centralizadas e rígidas com notada inspiração militar. Essas características quando relacionadas a elementos da conjuntura cultural de algumas cidades e regiões produz, em algumas situações, uma interação complexa que parece potencializar-se e retroalimentar-se.

    A crescente precarização do trabalho na saúde, com notada marca para os processos de terceirização, acrescenta um novo elemento nessa complexidade. Se por um lado em muitas cidades é possível perceber avanços significativos na realização de concursos e organização política dos trabalhadores, em outros locais administrações municipais e estaduais deliberadamente usam a terceirização como meio de racionalizar custos e investimentos ao mesmo tempo em que acirra as contradições na organização dos trabalhadores limitando sua capacidade de luta. A precarização hoje parece ser um dos elementos chave para entender o que chamamos de desumanização, na saúde, pois comparece como elemento “invisível” na cristalização de processos de trabalho que normalizam o descompromisso com estrutura institucional, materiais de trabalho e vinculação com usuários.

    É diante da complexidade de heterogêneas conjunturas políticas, sociais, econômicas, culturais e de (des)organização do Estado que a PNH intenta constituir  processos de humanização nos serviços. Em cada local, cidade ou Estado, há que se refletir sobre as ações, com que atores pessoais e institucionais lidamos, o que motiva esses atores a agirem, o que nos motiva,  o que produz aberturas e fechamentos, o que amplia e/ou diminui potência, enfim, o que permite ou não os avanços. Ainda é importante ressaltar também o comportamento de cada consultor e apoiador, suas virtudes e limitações frente ás exigências postas em cada situação.

    Certa vez quando Freud  fazia sua primeira visita aos Estados Unidos disse uma frase antológica: “Estamos Trazendo a Peste”. Tinha consciência das polêmicas que levantava ao falar da psicanálise e do quanto era desestabilizador de determinadas crenças e valores  as virtuais descobertas que ele julgava fazer sobre o psiquismo. De uma certa forma, a PNH também traz a peste, um conjunto de idéias e ações que impactam viroticamente nos serviços, que reestrutura cotidianos a partir do redimensionamento técnico e político que as nova configurações de processos e organização do trabalho acabam por determinar. Assim, muitas vezes, o aparente fracasso das ações na verdade configura a resistência à mudança, aquele momento mágico onde o novo afronta o velho que insiste em sua permanência. Neste sentido, a PNH ao propor a mudança e a co-responsabilidade das pessoas nesse processo de mudança, é uma construtora/destruidora de modos de fazer a saúde/doença no cotidiano.

    Temos clareza que para a implementação do SUS e de seus princípios há que se engendrar a desconstrução de um certo modo de funcionamento dos serviços, que se caracteriza por adoecimento dos trabalhadores, sofrimento pela desubjetivação dos usuários, iniqüidade e não uso de forma republicana do aparatos público.  Neste sentido,  implementar a PNH está longe de ser uma tarefa fácil. Cada ação e território possue contextos muito específicos que ora podem facilitar a implementação da Política, ora apresentar obstáculos que, em certos momentos, são  praticamente intransponíveis. A proposta da PNH exige portanto um trabalho de contágio, persistência diuturna nas ações onde estão presentes o tempo todo a disputa de sentidos.

    Somos todos os dias expostos por inúmeras nótícias sobre coisas terríveis que acontecem nos serviços. Muitas vezes essas coisas estão acontecendo ao lado onde diligentemente fazemos uma roda de discussão. Outras vezes vemos os olhos dos trabalhadores brilhando mas o dedo em riste de um gestor despótico e empoderado diz não! Nessas horas, cabe lembrar a música cantada por Ivan Lins durante a ditadura militar:

Desesperar, jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas, não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo

Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada, nada
Nada de esquecer

No balanço de perdas e danos
Já tivemos muitos desenganos
Já tivemos muito que chorar
Mas agora, acho que chegou a hora
De fazer valer o dito popular

Desesperar, jamais
Cutucou por baixo, o de cima cai
Desesperar, jamais
Cutucou com jeito, não levanta mais

    Novas formas de fazer saúde nascem todos os dias com o protagonismo de todos aqueles que lutam por um SUS mais humano e solidário. O que não conseguimos hoje podemos conseguir amanhã. Não importa se a realidade não tenha o colorido vivo do sonho, ainda assim, algo vai mudando a partir do contágio, a partir da luta diária, solidária, heroica, viva e ativa de todos! Espalhemos assim a peste nossa de cada dia!