Uma humanidade comum
Uma humanidade comum a todos os humanos: grande sonho de inclusão que perseguimos. Mas será que poderemos incluir verdadeiramente os humanos em um regime de mais igualdade se não ouvirmos os demais seres que clamam por vez e voz. Será que não deveremos dar uma chance para que outras quimeras possam se assentar na assembléia de nossa república. Vozes que venham a representar o coletivo ecológico que entra em relação conosco e com os quais partilhamos dramáticos vínculos de risco?
São muitos os aspectos de nossas vidas em que entidades não humanas já ocupam um lugar mais do que significativo. Uma série de interesses econômicos tem levado a desconsiderarmos o quanto estamos todos enredados com o ambiente e a emergência de novos atores na cena da vida.
Não poderemos fazer uma verdadeira democracia sem considerarmos a ciência, onde se quer que os fatos falem por si mesmo. Mas quem fala, pergunta Latour, quando um grupo de cientistas se acerca em torno de instrumentos e observa atentamente a fala dos "fatos"?
Quanto mais que quando dizemos que quem fala são os pesquisadores, aí mesmo é que ridicularizamos "a Ciência" como sendo a mistificação subjetiva do que desejam os cientistas. Ou seja, já confiamos mais na "objetividade" dos instrumentos que medem/produzem os fatos do que no pântano das opiniões e desejos meramente humanos.
Porque mantemos em mente o modelo de sociedade civil gramsciana se na prática, o que vemos é o descaramento das associações entre humanos e não humanos nas quantificações puramente econômicas como as do sistema financeiro e da Receita Federal?
É curioso que eu venha falar de acolhida às "proposições" não humanas de Bruno Latour em um coletivo como esta RHS. Sinto que faço um debate um tanto solitário, enquanto os vejo confraternizando em torno de um contágio de humanização que estaríamos realizando Brasil afora.
Em primeiro lugar, não acredito que em cerca de nove milhões de trabalhadores do SUS possamos estar fazendo tanto barulho como queremos. Em segundo lugar, acredito que mesmo nosso contato e nosso contágio se devem a associação que estamos empreendendo entre a nossa prática cotidiana e sua veiculação pela rede.
Ora, este andar de relatos e diálogos entre distantes seres humanos, trabalhadores da Saúde, comprometidos com o SUS só ocorre por nosso conluio, ainda tímido e envergonhado, com os híbridos de natureza e cultura, de fatos e subjetividades que são a Internet e as redes.
Na próxima semana estarei lendo Michel Serres "Hominescencias – O começo de Uma Outra Humanidade”. É um livro duro para as pretensões humanistas. Mas acredito que os bons argumentos se dão ao combate em qualquer terreno como é o caso de algumas citações que faço de John Gray que é um resignado evangelista de uma significação bem mais modesta para as noções de humano, de liberdade e de autodeterminação, tanto pessoal, quanto coletiva. Prometo (ou será que ameaço) trazer as marteladas e os estilhaços da leitura para podermos, espero, construirmos um mosaico mais complexo das trilhas da aposta na humanização dos humanos.
Acredito que o Erasmo, em especial, irá gostar desta sinopse do livro de Serres que encontrei no site da Livraria Cultura:
"Hominescencias, neologismo criado por Michel Serres, designa a emergência hominiana. Acometidos por várias experiências de morte, estamos empenhados em garantir a vida eterna pelo progresso de biotecnologias replicadoras, que pretendem controlar mutações e processos vitais. Se a evolução sempre se processa por perdas e ganhos, ela acaba por esculpir os corpos dos vivos por meio da morte. Central na argumentação do autor, essa afirmação fecunda o ensaio como um todo”.
Boa semana a todos os intrépidos escritores e leitores, filósofos profanos, da RHS.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Oi, Marco, tudo bem? Não entendi pq vc afirma que faz um debate solitário. Também não entendi os mails entre vc e o Ricardo. Que tal socializar essa discussão tão interessante…Tô loca prá participar dela, ok?
Um beijo
Iza ( onde coloco a minha loucura? Na rede, oras!!!)