Vai morrer de quê?
Quem ainda não parou para se perguntar de que maneira vai morrer? Essa é uma curiosidade que persegue muita gente, muito embora ninguém queira ir. Mas enfim, não tem jeito, um dia iremos. Entretanto, com os avanços da medicina, esperamos ir mais tardiamente, e da melhor maneira possível. Esse artigo de Helio Scwartsman nos ajuda a refletir sobre o assunto.
Vai morrer de quê?
SÃO PAULO – Foi Arthur Schopenhauer quem afirmou que o homem está condenado a ser um eterno insatisfeito. Nós nos esforçamos e sofremos para tentar obter aquilo que desejamos, mas, quando finalmente conseguimos, o sentimento de satisfação é no máximo efêmero e, assim, mergulhamos no tédio, para dele sair apenas quando surge um novo desejo, num ciclo torturante que se repete ao longo de toda a vida.
A fim de não desmentir o filósofo, faço hoje uma análise pessimista dos avanços da medicina. Sim, é verdade que esse ramo do saber deu, ao longo dos últimos séculos, passos notáveis, que tiveram significativo impacto na saúde e na vida das pessoas.
Destacam-se aí as medidas de saneamento básico, que reduziram bastante as diarreias –historicamente as maiores assassinas de bebês–, vacinações e o advento dos antibióticos. Isso já bastou para mudar radicalmente o mapa da mortalidade. Em 1950, 40% dos óbitos no Brasil se deviam a moléstias infectocontagiosas; hoje, elas são menos de 10%. Em termos de expectativa de vida ao nascer, passamos dos 43,3 anos em 1950 para 73,5 em 2010.
Ótimo, não é mesmo? Sim, mas, como todos precisamos morrer de alguma coisa, quando tiramos as doenças infecciosas da frente, pulamos para o próximo item da lista, que são as moléstias cardiovasculares. Elas representavam 12% dos óbitos em 1950 e hoje são 40%. E a coisa não para aí. As causas cardíacas, em certa medida evitáveis com mudanças no estilo de vida, medicamentos e cirurgias, já vão perdendo espaço para outras moléstias, notadamente os cânceres, mas também demências, doenças que afetam a mobilidade, e as várias enfermidades crônicas capazes de tornar nossa existência especialmente miserável.
Estamos ficando mais saudáveis, mas isso apenas nos empurra para mortes mais sofridas. Schopenhauer morreu do coração em 1860 sentado no sofá de sua casa com seu gato.
Fonte: Folha de São Paulo