Sobre liberdade de expressão, iluminismo e verdade.

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A ilusão tem origem no desejo, humano e irrefreável, de que tudo tenha um propósito. "Sabemos" que a vida bem vivida, o sucesso e a paz de espírito estão ligadas a uma expectativa: – O mundo deve fazer, realizar ou ter sentido.

Ainda assim, não há fora do desejo humano, nenhuma evidência que o universo tenha sentido. Especialmente, se for para fazer sentido, nada indica que esse sentido seja humanamente compreensível. Porque, fora de nossa imensa arrogância, a existência teria um sentido humano e não um sentido símio ou felino? O que, fora de nossas medidas, impede que artrópodes ou crustáceos, tenham tanto valor quanto nós?

O princípio da eterna busca, do infindável retorno do desejo, do círculo que coloca o horizonte um metro mais distante a cada passo que avançamos, é nosso anseio por sentido. Assim, o que não vemos no aqui e agora está sempre além no tempo e no espaço. A pobre e humilde verdade a que temos acesso é que as variantes de significado são incontáveis.

Temos necessidades que só podemos satisfazer compartilhando nossos valores. Mas, nenhum valor corresponde exatamente ao valor de outro ser humano. Todos os valores estão de acordo com perspectivas. Mesmo dentro de uma comunidade de sentido, ligeiras variações podem tornar irreconciliáveis as visões de mundo.

E toda a guerra, toda a violência, em última análise, está ligada a afirmação de um sentido unilateral.

Por isso o iluminismo – que seria o triunfo da tolerância – se dobra sobre si mesmo, e torna-se mais uma perspectiva na da luta de morte, entre gangues de signos. Afinal, quando a questão é estar certo, não é apenas a religião que exige conversão.

Todo o sentido que advoga para si o estatuto de verdade universal, e última, toma a forma de uma religião e tem o caráter de um credo. Assim é com o Estado, travestido de liberal, com a polícia, que faz guerra contra o hábito e a condição humana no caso das substâncias ilícitas; e com a teologia que se pretende melhor, superior ou mais verdadeira do que qualquer outra.

Por isso temos chamado de ímpia toda a dissonância, e de traição, desilusão e crime toda a verdade que destoa da nossa. Tragicamente, quanto mais reprimirmos o credo alheio, mais militante ele se torna, mais engajado e mais disposto a destruir-se para afirmar sua verdade.

Foi assim com os primeiros cristãos e está se repetindo com minorias muçulmanas neste início de século XXI. Não foram todos os cristão que sacrificaram-se na arena romana. Não serão todos os muçulmanos que irão se explodir nas ruas do mundo. Também não foi preciso – nem seria possível – queimar todas as bruxas. Do mesmo modo que não será preciso decapitar todos os infiéis.

Basta que os ateus acreditem que a religião não permanecerá sendo uma profunda necessidade humana, para que o ateísmo, e por extensão as sociedades laicas,  passem por profundas crises. A Europa está as portas de uma nova conflagração reacionária e fascista, menos de um século depois do holocausto.

Não aprenderam, com a recorrência do ódio, que quando não existirem mais religiosos e, em alguma medida, ateus fundamentalistas, não haverá mais humanidade.

Como evidência dessa hipótese podemos pensar no conceito de desilusão. Sendo uma das condições humanas mais devastadoras, ela representa simplesmente, estar diante da realidade sem nenhuma fé ou crença. Filosoficamente, sem nenhum pressuposto: – Seja na fidelidade de um ser amado, na gratidão de um filho, na honestidade de um líder ou na piedade de um sacerdote, sempre partimos de algo.

É parte de nossa episteme nascermos e nos tornarmos humanos no ceio de uma comunidade de signos. Sejamos ocidentais ou aborígenes, essa episteme nos envolve e dá origem a humanidade singular que nos dá contorno. Não podemos ser sem essa âncora.

Além disso, seremos pós-humanos. E esse foi o Ensaio pós-humano V.