REFÉNS DA FAMÍLIA OU DO ALEMÃO: Reflexões sobre a Síndrome Demencial e envelhecimento da população.

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Entre as definições da palavra refém creio que a que melhor expresse a condição daquele ente familiar, aleatoriamente “eleito” pelos demais membros do seu núcleo domiciliar para assumir responsabilidades de atenção, cuidado e dedicação exclusiva aos seus idosos, é a que versa sobre “uma pessoa que, em situações extremas, fica em poder de outrem, como garantia de que alguma coisa será feita”. Essas situações extremas decorrem da cômoda, proposital e conveniente hipótese dos demais entes familiares de que alguém, excetuando-se os próprios, tenha de exercer função moral, legal, sistemática, de guardião(ã) do familiar envelhecido, frequentemente, pais.
Na verdade, esse(a) guardião(ã) acaba mais refém da família do que do “alemão”, sabendo-se que os sintomas da Síndrome Demencial ou Doença de Alzheimer se apresentam com episódios de esquecimentos, perda de memória, aumento da fragilidade física, entre outros quadros associados às doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão arterial sistêmica, etc. Caso houvesse maior compromisso dos demais membros da família para com o dia a dia do idoso vulnerável, ninguém ficaria sobrecarregado, além de o idoso se sentir melhor acolhido, cuidado, mais amado por todos a quem tanto dedicou parte importante da sua vida produtiva.
Nesse sentido, havendo maior compartilhamento de responsabilidades, a divisão de tarefas evitaria sobrecarga para quem dedica à atenção redobrada ao familiar envelhecido, como medida preventiva de complicações decorrentes de quedas, desidratação pela falta de ingestão d’água, picos hipertensivos ou hiperglicêmicos resultantes da diabetes ou hipertensão descompensadas, por não tomar medicamento de uso regular, entre tantos outros cuidados cotidianos.
Como a maioria não se dispõe a compartilhar da divisão de tarefas para cuidar de idosos no próprio núcleo familiar, perdendo tempo nas futilidades do imediatismo social, sem perceber que o tempo passa muito rápido e daqui a um pouco serão os idosos da vez, tudo acaba nas mãos desse alguém/refém para garantir que os cuidados sejam materializados. Muitas famílias inteiras de Cristãos declarados têm agido com descaso, maus tratos, inclusive, abandonando idoso vulnerável, sem sequer reconhecer o inalienável vínculo moral que os une no plano maior da nossa existência, em desatenção aos fundamentos religiosos do cristianismo, entre outras vertentes religiosas.
De acordo com o Censo 2010 do IBGE, o aumento na participação da população de 65 anos ou mais, no período 1960/2010, saltou de 2,7% para 7,4%, mais de 32 milhões de idosos, dentre os quais pelo menos 1,3 milhão com algum grau de dependência para realizar atividades da vida diária e autocuidado. Outro fato preocupante é a longevidade, que também vem se elevando progressivamente, ressaltando-se que, da década de 90 para 2000, a população de idosos total cresceu 36,5% e a de idosos com mais de 75 anos, 49,3%. Hoje, os idosos brasileiros vivem cada vez mais, sem, no entanto, que suas famílias tenham se preparado para atender à demanda de cuidados que eles requerem, maioria sendo desintegrada devido a conflitos entre seus membros, quando a pauta contempla o compartilhamento direto de responsabilidades para cuidar dos seus idosos.
Quanto mais a idade avançar, maiores serão suas fragilidades, incapacidades e dependências para cuidados básicos de saúde, higiene, conforto, etc. Há quem possa contratar cuidador de idosos para reduzir a sobrecarga do cuidado, mas, maioria das famílias brasileiras não dispõe de renda para arcar com para despesas da previdência social, além de o piso salarial do cuidador ser de valor maior ou equivalente ao benefício/aposentadoria do idoso. O Estado também deveria oferecer mais programas em redes de cuidados dos idosos, afinal, algum retorno aos valores elevados dos impostos que pagamos!
Por outro lado, algo também precisa ser mudado e despertado na consciência das pessoas que, nesse momento, sequer se interessam saber se seus pais idosos, passaram bem a noite, dormiram, acordaram bem, tomaram medicamentos, beberam água, se alimentaram, estão higienizados, precisam de algo, etc, talvez porque não tenham atentado para o que o amanhã pode lhes reservar. Colhemos na vida, exatamente o que plantamos!
Em contrapartida, os fieis escudeiros, companhias de toda hora, estão de plantão, atentos no presente, disponíveis no futuro, emprestando ouvidos, erguendo mãos em apoio aos seus idosos, movidos pelo amor incondicional que a tudo transpõe. Afinal, a consciência desperta para nossa maior missão nesse e noutros planos de existência nos impele a servir aos nossos semelhantes, dedicando nosso precioso tempo para atender suas necessidades, por que haveria de ser diferente para com nossos pais? Exemplos devem ser dados nas relações familiares, nosso pequeno e sagrado núcleo humano, onde os atores sociais desempenham papeis escritos pelo Criador.  Não há como não se prestar contas do desempenho de cada um, o juízo final pode ser a qualquer momento dessa nossa curta passagem por esse Orbe.
Parafraseando o Santo Padre Pio de Pietrelcina, diria: “O que será de nós, quando tivermos de comparecer com todas as ações que praticamos à presença de Deus no juízo final?”
Wiliam Machado
Secretário Municipal do Idoso e da Pessoa com Deficiência de Três Rios/RJ.