Narrativas de encontros REDE SAMPA – RAPS na cidade de São Paulo

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david oliete
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A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional (Carlos Drummond de Andrade)

 

Como sair da impotência e aceder à impossibilidade?

A questão foi trazida ontem por Karina, coordenadora da roda formada em nossa segunda aula do curso da REDE SAMPA na Escola Municipal de Saúde da Prefeitura de São Paulo. A apresentação da estruturação da RAPS na cidade contagia-nos pela consistência e generosidade na produção de um SUS possível e concreto em muitas de suas práticas já estabelecidas. Um vídeo sobre o programa "De Braços Abertos" fecha a apresentação e, paradoxalmente, abre a nossa roda.

O início da roda de conversa é marcado por grande carga de afetos intensos no relato de  "faltas" a nos despotencializar o trabalho com a saúde mental num hospital geral. Da atual falta de leitos de hospital geral para os pacientes que chegam com queixas psiquiátricas, programa desativado há muito tempo em função das mazelas não enfrentadas institucionalmente à época.  Das dificuldades de fazer rede num território com poucas parcerias com outros equipamentos da região, ou de sua ausência concreta na região central. O "caso HSPM" traz  dificuldades adicionais na questão da produção de redes pois trabalhamos com usuários de qualquer região, numa cidade de proporções gigantescas, o que dificulta sobremaneira a proximidade no território com outras redes e serviços. Além de estarmos numa condição diferente dos demais hospitais da rede, por tratar-se de equipamento destinado aos funcionários da PMSP e suas famílias. Apenas o pronto-socorro é aberto à população, para o qual acorrem todos os tipos de demandas, inclusive aquelas de maiores riscos não cobertas pelas UPAs.

A conversa segue com a inclusão de diferentes olhares sobre o que é o cuidado com as pessoas que usam substâncias psicoativas e o nosso grupo parece cair em certos momentos numa polarização entre a tese da abstinência e a redução de danos. Polarização que, infelizmente, reproduz as vivências de outras dimensões existenciais da "esfera" política na sociedade brasileira hoje. E uma armadilha bastante comum e estratégica na retirada das forças de vida com as quais contamos e buscamos produzir no trabalho em saúde.

A coletivização dos impasses institucionais com os quais pactuamos, muitas vezes, e as saídas para outros posicionamentos vão sendo construídas no grupo. Poder falar, exteriorizar os conflitos e nos amparar em outros modos de operar o pensamento como o proposto pelos princípios e diretrizes das RAPs são estratégias para 'esquentar' as nossas redes internas, pessoais e coletivas, no hospital. E, paradoxalmente, estar no "fora" da instituição cristalizada por protocolos e modos de fazer excessivamente codificados é garantia de mudança subjetiva e objetiva, em todos os sentidos destas palavras.

Terminamos com a questão aberta no início desta postagem: sair da impotência e produzir uma impossibilidade, condição mais aberta e potente para a produção de saídas.  Acho que ontem amadurecemos um pouco as condições de possibilidade deste processo em nós, buscando sair ativamente do lugar de impotência. Como bem disse o poeta: "a dor é inevitável", mas "o sofrimento é opcional".