Nau dos imigrantes reedita a Stultifera Navis da Idade Média
foto de capa da Folha de São Paulo do dia 15 de maio de 2015
Mas de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve existência real, pois eles existiram, esses barcos que levavam a sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos ( História da Loucura – Michel Foucault )
A deriva como experiência mortal dos loucos na Idade Média parece retornar à cena da vida no século XXI. Quem viu a foto de capa do jornal, de uma beleza sinistra – como as cenas registradas por Sebastião Salgado e Wim Wenders no recente documentário "O Sal da Terra"-, não pode se furtar a experimentar afetos de grande intensidade. Somos imediatamente tomados por sentimentos paradoxais de identificação e alienação de nossa "condição humana".
Barrados em países vizinhos, milhares de imigrantes asiáticos ficam à deriva. O título denuncia uma grande exclusão e nada de novo sob o sol. Será?
A "grande exclusão" parece não ter mais lugar ou sentido num mundo onde a astúcia e a flexibilidade capitalista apostam na inclusão de tudo e de todos na vida de mercado. Trata-se de formas brandas de poder que investem na inclusão como dispositivo para aumentar o expectro de governabilidade dos homens. Para o bem e para o mal. Estranha e paradoxal fórmula: incluir para excluir, conforme Toni Negri em seus últimos trabalhos, "Império" e "Multidão".
Mas eis que a exclusão radical retorna, ou melhor, talvez faça parte do mesmo movimento vital. A lógica destes movimentos dos poderes e resistências é bem mais complexa do que parece aos nossos olhos acostumados às reduções apaziguadoras das realidades. Participamos de um caminhar pelo fio da navalha hoje, movimento também evidenciado por Foucault, onde pode haver captura e fuga em cada produção que construímos numa aposta na humanização/humanidade.
Há que se produzir muita labuta para pensar e construir as balizas éticas para viver, hoje e sempre. É o que buscamos cotidianamente nesta rede.
Por Carlos Rivorêdo
É isso. M. Foucault sempre nos deixa a sensação de perplexidade, tal o retrato esgarçante que mostra o que significa ser humano.
Esses exemplos são, em grande parte, reflexo do que ele mesmo denominou de "guerra das raças". Não a guerra da batalha, das armas de equipamentos construídos objetivamente. Mas a guerra diuturna que nós humanos travamos entre nós. Guerra domei contra o outros. O enfrentamento que implica o dilaceramento e a aniquilação do outro para que o eu seja.
Tenho horror ao verbo ser. Ele aponta para a expressão maior desse esforço de aniquilação.
Beijo
Carlão.