Àqueles que produzem doença.

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Não sou uma sombra. Não sou uma voz distorcida pela fonografia. Não sou as costas de um repórter; ou mãos aflitas; ou até mesmo a morte. Sou a vida personificada. Tenho vida.

Esta pequena crônica busca o olhar para além do HIV que hoje trago em meu corpo. Diagnosticado no dia 02 de outubro de 2014, passei a estudar e refletir sobre o assunto, nunca nem farejado em meus pensamentos matriciados por falsas informações tuteladoras, como nos desinforma o “Fantástico”. Decepcionarei aqueles que buscam uma história triste e de vitimização da minha personalidade. Mostro minha voz, minhas costas e também minha face. Encho-me de vida e encoraja-me saber que sou luz e não sombra.
No dia 15 de março de 2015, uma reportagem do Fantástico, oferecido à população brasileira pela Rede Globo de televisão, visando reforçar paradigmas de manutenção das minorias, expos uma parcela da população vivendo com HIV/AIDS como carimbadores, ou seja, pessoas que transmitem o vírus por pura diversão. Em sua maioria, esses “carimbadores eram gays. Numa epidemia que perdura mais de uma geração, não existem carimbadores ou minorias e estigmas devem ser desconstruídos. Existe a doença e a cura, que é a informação em detrimento de desserviços como o prestado pelo Fantástico.
Se hoje sou uma pessoa vivendo com HIV, não sou vítima de nenhum carimbador e muito menos um carimbador. Sou apenas mais um dado estatístico da desinformação proposta por um meio industrial da cultura que marginaliza a população LGBT e outras, tornando-as mais vulneráveis aos agentes de doença da modernidade. Hoje sei que existem outros métodos de prevenção. Sei também, que o HIV não é um monstro e que não vou morrer daqui a dois ou três meses. Talvez leve muito mais do que uma vida para me encontrar com a morte. Mas por ora, quero prevenir a mim e as pessoas que junto comigo serão capazes de resolver problemas coletivos, como a epidemia que vivemos hoje no Brasil. Problemas coletivos se resolvem coletivamente, e os esforços terão que ser feitos por todos, principalmente por aqueles que detêm o acesso à informação. Nos informe, nos preste um serviço que nos respeite.
Atualmente, se você nunca teve acesso a certas informações por causa de um falso moralismo sobre nossa sexualidade, é bom que saiba que existem diversos tipos de prevenção contra o HIV. E alguns deles já são políticas públicas. Como a PEP (Profilaxia Pós-Exposição). Saiba que, para além de populações-chaves, tomar remédios anti-HIV (antirretrovirais) até 72 horas após uma situação de risco é uma forma de se prevenir. Você pode procurar os Serviços de Atendimento Especializado (SAE’s), ou o Centro de Referência e Treinamento (CRT) e começar a “tomar” (profilaxia) os remédios por 28 dias. Assim o vírus não se reproduz em você. Outra opção é a PrEP (Profilaxia pré-Exposição), que segue a mesma lógica, porém antes da situação de risco. Esta não é uma política pública, mas com ação judicial é possível acessá-la. Pode produzir a saúde na gestação de casais sorodiscordantes (onde uma pessoa é HIV positiva e outra não) como também profissionais do sexo e outros tantos com suas tantas diversidades.
Outro item do cardápio de prevenção existente, mas não informado, é o tratamento da pessoa diagnosticada positiva. Uma pessoa com carga viral indetectável há mais de seis meses não transmite o vírus. Ser “soroindetectável” significa ter uma carga viral (quantidade de cópias do vírus por mm³ de sangue) tão mínima, que embora o vírus esteja alojado em alguns tecidos do seu corpo, ele não é capaz de se reproduzir devido à ação dos antirretrovirais. Ou seja, dificilmente a pessoa em tratamento transmitirá o vírus. A chance da camisinha falhar como método preventivo, é de 4% a 10%; e a de se infectar em uma relação com um positivo em tratamento, também é de 4%. Usar a camisinha e o tratamento como prevenção, representa uma chance de praticamente 0% de uma nova infecção acontecer. Temos que universalizar as opções para que possamos escolher de acordo com nossas diversidades e nossas ideias de prazer.
Temos que informar também, algumas diferenças entre HIV e uma pessoa doente de AIDS. A AIDS é uma doença causada pelo HIV. Ter HIV não significa ter AIDS. A doença é caracterizada pela rápida reprodução do vírus que ataca o sistema imunológico (células CD4) do corpo deixando-o aberto a doenças oportunistas. Por isso, um portador de HIV, em seu acompanhamento médico, faz junto com o exame da carga viral, um acompanhamento do número das células CD4 em seu corpo. Mas cuidado com terminologias. Dizer que uma pessoa é aidética é crime caracterizado pela discriminação. A pessoa com AIDS não é a doença, mas uma pessoa com personalidade e capacidade jurídica, logo, detentora de direitos humanos como qualquer um de nós. A pessoa vive com AIDS como uma pessoa que tem diabetes vive com diabetes.
Mas como eu disse, não sou uma sombra. Tenho voz e quero usá-la. Não quero tê-la cerceada pela desinformação. Agora que já informei sobre meios de prevenção para além da camisinha, quero falar sobre o Fantástico e seu desserviço. Aqui está minha face. Você não irá me “carimbar” com sua lógica perversa de desinformar e estigmatizar as minorias. Exijo respeito enquanto humano. Para sua informação, não transmito o HIV. Para sua informação, a responsabilidade não é só minha. Problemas coletivos se resolvem coletivamente. Em uma relação sexual consentida, a responsabilidade é de todas as partes envolvidas. Para sua informação, a saúde não necessita ser tutelada pela criminalização das doenças. A saúde precisa ser universalizada de fato. Precisa-se de mais produção de saúde e de menos doenças, como é o seu preconceito.

Renan de Souza Moser – Membro da Rede Estadual de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/AIDS (REAJVHA-SP).