A experiência de viver um SUS sem [pré]conceitos

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Todo mundo, algum dia, já precisou utilizar um dos serviços oferecidos pelo SUS, ainda que não se lembre do fato. Muito provavelmente, a infância tenha sido a fase onde mais dependemos do Sistema Único de Saúde. Eu, não destoante dos demais também fui usuária do serviço antes mesmo que me desse conta.

Ao longo dos meus 22 anos vividos até aqui, posso dizer que conheci os dois lados da moeda da saúde, aquela que é privada e aquela que é pública. E embora possa sentir-me privilegiada por ter podido experimentar a parte paga (uma vez que a maior parte da população brasileira sequer chega perto do acesso à ela) também posso sentir-me igualmente privilegiada por poder contar com um sistema público de saúde que funciona efetivamente e atende minhas demandas, ainda que com limitações, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.

Mas o relato que trago aqui diz respeito muito mais a experiência de ter visitado uma UBS com uma finalidade que buscava entender o modo de funcionamento desse sistema, muito mais do que o atendimento de uma demanda pessoal. Foi como exercício proposto na disciplina de Estágio Básico II, do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que eu pude entrar em uma Unidade de Saúde com um olhar totalmente despretensioso e ao mesmo tempo totalmente receptivo ao que fosse encontrar.

Pois bem, minha visita acontece à unidade que atende o bairro que resido, no município de Serra e que pertence a região metropolitana da capital, num dia de sexta-feira a tarde. Minha demanda era marcar consulta com um dermatologista e embora soubesse que era necessário passar por um clínico geral para obter o encaminhamento à especialidade, agi como se não soubesse da informação. A unidade estava bem vazia. Além das moças que atendiam do outro lado do guichê da recepção, havia as enfermeiras dentro da sala de vacinação junto com algumas pessoas lá dentro, uma senhora que aguardava do lado de fora desta mesma sala e mais uma jovem acompanhada de sua mãe que estavam na minha frente na fila de atendimento.

É nesse momento que começo a elencar os sustos que tomei com a visita, sustos pelo fato de ter sempre em minha mente aquela visão quase que estereotipada de uma UBS sempre lotada, com pessoas esperando atendimento pelos corredores e que madrugam nas filas a fim de conseguir uma senha para marcação/atendimento de consultas. De modo nítido, meu primeiro choque é o fato de encontrar a unidade praticamente vazia; o segundo é a rapidez com que fui atendida na fila onde estava; o terceiro, saber que – apesar de não ter conseguindo marcar consulta naquele dia – poderia retornar na segunda-feira às 7h para marcar a consulta. Ou seja, a marcação de consulta não demoraria tanto; quarto, marcando a consulta na segunda, o atendimento seria na terça. Quinto, as moças estavam sorrindo.

Não era a primeira vez que ia àquela unidade e confesso que em todas fui bem atendida e tive minhas demandas atendidas de modo rápido, mas justamente por ter uma imagem construída em minha cabeça, o fato de encontrar todos aqueles “sustos” mexe tanto comigo, em especial o fato de ser atendida por uma recepcionista que estampava um sorriso no rosto.

Nós costumamos taxar as pessoas que nos cercam e imputá-las de características que elas não possuem. Por exemplo, a de colocar sempre os funcionários do SUS como mal-humorados. Nós também costumamos reclamar de ter que pagar tantos impostos e reclamamos, com razão, quando estes não são revertidos para um de seus fins, a saúde. Mas será que já nos questionamos que nós não reclamamos de pagar impostos para ter acesso a um serviço público de saúde? Será que já nos indagamos que temos um serviço disponível 24h, ainda que com limitações? Será que já nos perguntamos que tipo de serviço nós temos recebido/gerado/alimentado/exigido? Que tipo de profissionais compõem esse sistema e qual imagem fazemos dele?

Foi somente pela experiência de uma visita aberta a todo e qualquer tipo de vivência que poderia encontrar que parei para fazer a mim mesma tais perguntas. E você, já se permitiu fazê-las alguma vez? Se sim, mantenha o exercício. Se não, experimente, garanto que vale a pena.