Convocação Geral para o (L)oucupaBrasília!

Caro Rui,

Dada a minha idade quase provecta, vivi a formação em Psicologia nos tempos onde fazia parte do currículo acadêmico a aula dentro do manicômio. Cenas como a do psiquiatra que pergunta ao paciente em que dia estamos ou outras perguntas cujo objetivo é expor aos alunos a confusão mental dos pacientes eram muito frequentes e acompanhadas do desrespeito às pessoas internadas. Tratá-los como objetos era a prática mais comum. Isto apenas para dizer o mínimo do que acontecia dentro de um hospital psiquiátrico.

Coincidentemente neste momento estou lendo o livro do Marcelo Rubens Paiva, "Ainda Estou Aqui". Um livro de uma grande beleza. Nele, Marcelo relata a kafkiana prisão de seu pai, Rubens Paiva, e relembra que os presos políticos na época da ditadura eram chamados pelo poder de "pacientes". Os torturadores assim se referiam aos presos e isso não é trivial.

A dimensão kafkiana está também presente nesta reviravolta em torno das duras conquistas de direitos de todos os cidadãos, aqui incluídos os portadores de sofrimento mental, quiçá os mais desprovidos de direitos em qualquer época.

Qualquer semelhança seria mera coincidência?

Prezado Rui!

Para desmentir que tudo nesse país só começa depois de carnaval, já no findar do ano velho esses valorosos companheiros deram o recado: não se pode mudar uma boa política pública de saúde a toque de caneta pois a tinta é repleta de seres humanos que se recusam em serem pautados por fantasmagorias do passado.

Em Brasília será dado o recado de que os dias dos manicômios como dispositivos pseudoterapêuticos ACABARAM. Não pode e não deve existir espaços para a prática de tortura institucional disfarçada em ação de cuidado e cura. 

E que o canto de Brasília possa ser um alerta para aqueles que frustrados com a demolição dos hospícios insistem ainda em construí-los em nossas mentes, disfarçados agora em drogas que  apregoam curar as dores do universo. 

AVISO A TODOS. O Sanatório geral dos libertos vai passar em Brasília

"Palmas pra ala dos barões famintos

O bloco dos napoleões retintos
E os pigmeus do bulevar
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear

Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar"

(Chico Buarque)

Rui querido.

O movimento de ocupação do Ministério da Saúde contra a nomeação de Valencius Wurch é uma manifestação linda do exercício direto do poder do povo num sistema democrático de direitos. O exercício de um cargo executivo como de ministro não é suficiente para dar legitimidade às decisões tomadas neste exercício. A população deve estar de acordo com estas decisões, pois, lembremos, que quem está no cargo executivo exerce um papel de representante do povo. E quando o povo se dá conta que não está sendo bem representado, que as decisões do ocupante do cargo executivo não condizem com a vontade popular e com a história de conquistas sociais desse povo, pode manifestar sua vontade diretamente. Como diz o parágrafo único do artigo 1° da Constituição Federal, o poder emana do povo que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente. É esse o significado da ocupação, e é em respeito a essa vontade coletiva e ao exercício direto do poder do povo que o Ministro da Saúde deveria reconsiderar a nomeação da direção da saúde mental no Brasil.

Toda a força e apoio à ocupação valente!

Débora