Se o “mensalão” tivesse sido usado para comprar a aprovação de uma lei, indexando o salário mínimo a uma fração dos salários do presidente da república, ministros do STF, senadores e deputados, teria ocorrido muitas condenações. Mas, acima de tudo, veríamos a revogação e nulidade das leis aprovadas mediante pagamento de propinas.
Mas, como entre as leis votadas durante o mensalão o principal tema era a reforma da previdência, com o aumento da idade mínima para aposentadoria, o processo terminou num punhado de condenações de políticos, banqueiros e publicitários. No assunto das leis compradas ninguém tocou.
A compra da aprovação do mandato de cinco anos para José Sarney, da reeleição para FHC, tudo isso, e muito mais, a elite engoliu a goles de espumante importado e caviar. Nunca se falou de um projeto criminoso de poder.
Com Lula, o PT e Dilma o mundo de Lobão, Olavo de Carvalho, Augusto Nunes, Merval Pereira, Malafaia, Bolsonaro, e seus congêneres, virou de cabeça para baixo. Na narrativa cosmológica que ordena seus universos fascistas, suas tragédias pessoais só serão redimidas se Lula for preso e os milhões de brasileiros que o apóiam pedirem desculpas.
É, fundamentalmente, uma questão de hierarquia de símbolos. Um intelectual de classe média alta ter um filho bastardo, deficiente ou criminoso, simplesmente não é uma hipótese considerada realista. A menos que um retirante nordestino que tenha chegado a presidência da república acabe seus dias na cadeia.
O fato é que os conservadores e liberais parecem não suportar a realidade de que o curso biológico dos corpos é igual para todos os seres humanos. Daí decorre toda a necessidade da desigualdade econômica e aristocrática sem a qual, a vida para eles não tem sentido.
Mas sejamos realistas: Qual é o futuro viável em que qualquer um de nós pode se imaginar se desculpando aos jornalistas, articulistas e âncoras da grande mídia por nossa visão de mundo?
É possível que a esquerda não esteja no comando do país em 2019.
Mas no entanto, essa década, como as passadas, será olhada do ponto de vista da história e não das manchetes da revista Veja.
Será uma vergonha para os liberais e conservadores do futuro constatar que em lugar de defender suas bandeiras e propostas, os liberais e conservadores desse início de século partiram para um ataque cínico, hipócrita e moralista a uma tênue hegemonia da coalizão de centro esquerda que governa neste início do século XXI.
Especialmente se lembrarmos que toda hegemonia conservadora no século XX se deveu ao autoritarismo e a criminalidade política que instrumentalizou as forças armadas, as polícias e a justiça para caçar, torturar e assassinar militantes de esquerda em nosso país; enquanto as negociatas e a corrupção corriam soltas ao longo dos anos 70, 80 e 90.
É evidente que toda a falação em torno da ciência jurídica é cortina de fumaça. Até os ossos do magistrado Moro sabem que processos não tratam de justiça, mas sim de ordenar concretamente a hierarquia do poder biopolitico que tragicamente irá hierarquizar o valor da dignidade, segundo a moral que for imposta a cada ocasião histórica.
É por isso que José Dirceu foi condenado na ação penal do mensalão por comandar o esquema da compra da aprovação de leis que, por exemplo, adiam a aposentadoria dos trabalhadores do mercado formal do trabalho.
Se o direito fosse uma ciência e não uma política de dominação, ou o mensalão seria uma hipótese não comprovada e ninguém teria sido condenado; ou seria um fato e as leis aprovadas mediante pagamento de propina teriam de ser invalidadas.
A despeito de toda a filosofia arcaica de Olavo de Carvalho a verdade metafísica não existe.
Há jogos de linguagem e de poder.
A filosofia não foi resolvida na idade média a partir da releitura de Platão pelos escolásticos. Ela apenas ficou entorpecida diante da teoria da relatividade de Einstein e mais ainda, diante da teoria quântica.
No final, o ceticismo de Hume e os jogos de linguagem em Derrida, levaram Sócrates e Platão a lona e com eles toda a teologia e metafísica.
Pelo menos, temos a nosso favor o fato de que o jogo não termina enquanto a humanidade existir. Mas Bolsonaro e Malafaia ficarão no passado a espera do mais recente messias solar.