O Juiz Sérgio Moro iria decretar a prisão de Lula em algum momento nessa, ou na próxima semana. Com o anúncio da nomeação do Ex-presidente para o ministério, ele autorizou a escuta telefônica da presidência da República de Lula, e dos ministros do STF. Enviou os áudios para a Globo assim que a entrevista coletiva de Dilma, no início da tarde, havia recolocado o governo na ofensiva.
A situação está degenerando para o CAOS. O teor das conversas trata de estratégias para evitar que Lula fosse preso entre o dia 16 e a posse, no dia seguinte.
Estabeleceu-se um vale tudo. Como Eliane Brum escreveu dias antes, é preciso ter muita fé para acreditar que Sérgio Moro seja ingênuo. Mais ainda, creio eu, para acreditar que ele não tem uma agenda articulada na qual a condenação de Lula e o impedimento de Dilma são os pontos prioritários. É crime contra a segurança Nacional e o instituto da magistratura tanto a gravação, quanto sua divulgação para a Globo. Mas a legalidade não é mais a questão.
O que resultou da gravação é politicamente mais explosivo que ilegal. E é tudo verdade. Lula sabe que seria preso. Ele aceitou o Ministério para forçar o STF a decidir. Não quis “cair” para um juiz de primeira instância. Mais especificamente ser preso por uma espécie de justiceiro que poderá ser esquecido quando seus títeres saírem das sombras.
A invasão de privacidade é que torna os palavrões obscenos. Afinal todos falamos e fazemos amor, privadamente, do modo que quisermos. Afinal os atos privados não são obscenos ou imorais até serem divulgados. E, isso vale para todo mundo e cada um de nós. O Estado não pode violar a privacidade de ninguém e menos ainda, divulgar o conteúdo de gravações ilegais.
O grau do desespero ou de deliberada construção do caos é imenso. A Globo resolveu atacar antes do discurso de Lula, na posse do dia 17 de março.
Ao trazer a questão para o STF, a nomeação de Lula coloca em cena atores que tem mais responsabilidade e mais a perder do que um Juiz justiceiro. Exatamente. Ao escolher aceitar o cargo no Ministério, Lula abre o precedente para todos os demais que vem sendo citados nos acordos de delação. Renan Calheiros, Aécio, Alckmim, Serra, FHC… A Lista é longa. Sós os desvios de dinheiro da Petrobrás comandados por Eduardo Cunha elegeram grande parte dos congressistas. Ou a Lava a Jato chega ao STF condenando e tornando inelegíveis mais de dois terços do congresso, ou teremos um grande acordão.
Como um acordo só se dá por estresse e a crise política não foi suficiente o jogo subiu de nível. Esse é o fim da crise e o começo da guerra.
O impedimento de Dilma parece inevitável com a saída do PMDB do governo. Havia a expectativa de que com Lula no Ministério grande parte do PMDB evitaria votar o impedimento da presidenta. Por isso o 16 de março aconteceu. Juizado de oportunidade é por si só, um desrespeito ao Estado democrático de direito. Assim, se Dilma cai, Lula é processado, provavelmente preso. O governo de Temer começa com a oposição mais combativa desde 1992. Pose-se escolher o menu: Novo governo acordão para abafar a Operação Lava a Jato, ou acirramento dos conflitos de rua até que, cansado, o povo esteja disposto a engolir o consenso forçado.
A aposta dos setores golpistas da mídia de tentar uma decapitação rápida do governo é alta e arriscada. Eles têm esperança de que com a queda do governo a crise acabe. Mas o fim da crise não será como no impedimento de Collor. Em dois anos as pessoas esqueceram o voto de 1988. Naquela época vivenciamos a construção de uma hegemonia nacional foi forjada tanto para eleger, como para derrubar Collor. Agora o mundo é outro.
O que acontece aqui é uma cisão de longo curso histórico. Pode ser na forma de uma guerra política acompanhada de protestos, conflitos de rua ou uma outra forma mais branda de instabilidade. Já não seria, portanto, uma crise aguda, mas uma agudização de longo curso, em resumo, uma guerra político-ideológica com sérias consequências para a economia e estabilidade social.
Há muito ódio se acumulando desde 2003. A questão racial, por exemplo: Ainda vai piorar muito antes de melhorar. Quando os negros ocupavam os limites do horizonte simbólico que se esperava que ocupassem a questão racial ficava recalcada. Agora com a chegada dos pardos e negros ao mercado de trabalho, de consumo, as universidades e as escolas particulares, o que estava recalcado vai surgir como racismo mais explícito, preconceito, boicote e genocídio incessante de jovens pardos e negros em nossas periferias.
Por isso, a ressurgência fascista é, como os protestos, espontânea. E, se intensifica na medida em que cresce a esperança de que o governo caia logo.
Para a população em geral, que se situa na extensa faixa territorial que abriga as posições de indiferença e não engajamento pró ou contra o governo há uma outra variável. Temos que considerar o impacto que a divulgação de escutas telefônicas terá no imaginário coletivo.
O curioso é que a polarização está munida de “verdade” em ambos os lado. Para “coxinhas” e “petrálias”, os áudios, divulgados agora no final da tarde, são impactantes. Dá ódio e orgulho do Lula, respectivamente.
Outro fator que é explosivo e imprevisível é a exposição dos “intestinos” da política. Esse fator acirra a polarização ao tornar mais urgente um retorno a “normalidade” institucional. Porque de fato, ao contrário do que diz o ditado, todos sabem como as leis e as linguiças são feitas.
Mas ninguém quer ver isso em horário nobre na televisão aberta. Pedir a renúncia é uma forma de tentar contribuir para que a ilusão coletiva seja restabelecida. Todos sabem que as normas são formais, ou seja, para dar um ilusão razoável e consensual de que estamos em um Estado democrático de direito. Mas ninguém pode, de fato, ser enganado. O que existe é o auto engano e auto indulgência. Sabemos que as leis são sistematicamente quebradas. O capitalismo, e em última análise qualquer sistema econômico ou de governo e a própria humanidade, seriam inviáveis num império pleno da ética.
Mas, a encenação não pode ser exposta. Isso é precisamente a definição de obscenidade. Aquilo para o que não podemos deixar de olhar, embora não seja suportável olhar. Os golpistas derrubaram a quarta parede. O mecanismo da engrenagem política está exposto. Quando isso acontece as massas tendem a revolta irracional. Quem inventa a guilhotina acaba por ser guilhotinado. A invenção do terrorismo midiático pode virar-se contra seus inventores em épocas de redes sociais.
Como o espetáculo está só começando, podemos esperar muita histeria coletiva e reviravoltas pela frente.