Pode piorar muito antes de começar a melhorar.

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Venho escrevendo bastante sobre a crise política desencadeada pela Operação Lava a Jato. Acredito que as manifestações globais de 2011, incluindo a Primavera Árabe e as manifestações de rua de 2013 no Brasil, estão encadeadas de diversas formas aos eventos da campanha de 2014 e as turbulências que culminaram na ruptura institucional do 16 de março de 2016.

Em primeiro lugar, antes olharmos para os elementos nativos de nossa conjuntura política, temos que reconhecer que existem fortes elementos de geopolítica nesses movimentos de protesto. Há indícios de manipulação do humor das massas e de novas formas de engenharia social sendo aplicadas pela gigantesca capacidade de coleta e tratamento de informações através das redes sociais. Não que eu seja daqueles que acreditam que há alguém no controle. Ao contrário, minha suposição é de que ao caos conhecido, que impera nos assuntos humanos, foram acrescentadas novas variáveis tecnológicas com desenlaces completamente imprevisíveis para a ordem e coesão social.

Além disso, o recente texto de Laymert Garcia dos Santos lembra com muita pertinência a curta fala de Edward Snowden referindo-se ao fato de que Dilma continua realizando ligações não criptografadas, mesmo depois das denúncias de interceptação feitas há três anos. O Governo do Brasil parece estar ainda nos anos 90. Não absorveu as urgências de se atualizar, em termos tecnológicos. Mas, generosamente forneceu ao Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal investimentos, de modo a se colocar em uma posição de fragilidade e perda de autonomia, como o próprio Lula vem afirmamndo em público e nas ligações em que foi gravado. A guerra política está um nível acima do tabuleiro em que o PT e o governo tradicionalmente posicionam suas peças.

Feito o registro dessa premissa, vamos a uma continuação do meu texto anterior. Nesse ponto cabe a constatação de que o fim da crise não significa, necessariamente, o retorno a estabilidade. A fase da retórica fascista é apenas a primeira em um cenário em que se avança para uma desagregação dos poderes institucionais. Ainda não consigo imaginar uma guerra civil com dois lados se enfrentando nas ruas. Mas, gradualmente o discurso da esquerda revolucionária vem sendo compilado (diretamente do contexto do século XX) para gerar um ambiente de medo e disposição para o combate entre os conservadores e liberais mais extremados.

O registro desses discursos políticos, ilustrados com cenas dos fuzilamentos do século passado e imagens de execuções realizados pelo Estado Islâmico, estão sendo compartilhados nas redes sociais. Descontextualizados esses clipes de texto, áudio e imagem têm o efeito de gerar tanto pânico, quanto justificar as ações violentas como formas de autodefesa pessoal, da família e dos bons costumes. O discurso feito, em auditórios e caminhões de som, especificamente para o público da esquerda é levado aos olhos e ouvidos dos simpatizantes da direita e vice e versa. E, eles são inegavelmente, cada vez mais o discurso da negação e da demonização do outro.

Uma decorrência provável da retórica extremista é o ato extremado. Assim, já é mais do que hora de considerarmos um cenário (que já não parece um delírio) de perda do controle institucional e paralização da economia e serviços públicos no país.

Esse conflito de manifestações de rua pode ser seguido de uma distensão dos ânimos em nome de um retorno à ordem. Mas, para contrariar a previsão do deputado Tiririca “pior do que tá não fica”, temos o “nada é tão ruim que não possa piorar”. Nesse caso, um cenário semelhante ao dos Estados falidos do Oriente Médio já pode começar a ser uma hipotese menos improvável. Claro, o Brasil é um país continental e, em caso de perda do controle da união, o passo decorrente seria bastante diferente. Mas nada garante que possa ser menos doloroso, trágico e custoso. De uma falência política e moral dos poderes da união não decorre um prognóstico de saúde para nossa já debilitada coesão social.

Desde criança me convenci, empiricamente, de que as hipóteses quando consideradas podem ser afastadas já que estatisticamente é improvável que possamos acertar previsões acerca do futuro. De modo que, projetar cenários é uma forma de criar alternativas melhores. A negação, por outro lado, é uma forma garantida de vermos, passivamente, aquilo que tememos, tornar-se realidade. A ideia de que não chegaremos a tanto – a uma convulsão social de proporções épicas – constitui o fertilizante do caos. Ou seja, ao negarmos o cenário mais sombrio, podemos, como na tragédia de Édipo, contribuir para a realização das predições dos malucos de ambos os lados do espectro político.

Eliane Brum escreveu que as posições que não pendem para os dois extremismos que se digladiam nas mídias sociais, desde 2008, não são de omissão comodista. O ceticismo em relação a inocência de qualquer um dos lados não pode ser significado pejorativamente como estar em “cima do muro”. Até porque, as pessoas que estão equidistantes dos extremos sofrem cada vez mais. É como se o centro não tivesse mais a dimensão espaçosa do topo de um muro, mas sim a consistência do fio de uma navalha que parece querer cortar em dois quem ousar não se atirar na direção de um ou outro extremo.

Sem uma posição consistente que possa ser alternativa lúcida ao atual clima de polarização, as palavras de Bolsonaro (reiteradas sempre que ele abre a boca) e Marilena Chauí (captadas em um momento de infeliz empolgação) devem acabar prevalecendo. Da luta de aniquilação entre os polos políticos, podem eclodir outros extremismos, como os do crime organizado, das facções armadas que disputam territórios do tráfico nas vilas e favelas e quem pode saber a quais outros dilaceramentos podemos estar sendo remetidos.

A ordem institucional, ainda que precária, está ameaçada pela tendência de levar a resolução dos impasses políticos, sociais, culturais, para a dimensão messiânica e apocalíptica das vanguardas extremistas.

Muitos podem achar que isso possa ser bom em termos históricos. O Brasil precisa de uma revolução como afirmam muitos analistas, tanto de esquerda, quanto conservadores. Mas aí, há que se ceder a crença na teleologia; é preciso acreditar que a história tenha uma direção e um sentido. Essa crença cobra um custo alto em termos de sangue, sofrimento, dor e vidas.

O fato é que não existe um cenário realista em que o congresso nacional arde em chamas e você tem água na torneira, luz elétrica, transportes públicos, escolas e serviços de saúde funcionando normalmente. Uma saída racional para a crise teria de ter uma dimensão acima da moral, fundada na ética e na convicção de que o custo da estabilidade é alto.

Num momento em que posições políticas são tratadas como panaceias para o fim de todo o mal e o advento do reino da justiça e da paz eterna, a ética dá lugar a crença em verdades que sabemos que são irreconciliáveis.