Foto: Joana Berwanger/Sul21
Luís Eduardo Gomes
Profissionais, voluntários e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) participam nesta quarta-feira (18) de ações para marcar o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e do Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em Porto Alegre. O objetivo é fazer a defesa de que usuários da saúde mental sejam acolhidos em tratamentos em liberdade, e não em manicômios e por meio de internação compulsória.
Os atos começaram por volta das 8h30, com a 1ª Caminhada da Rede de Atenção Psicossocial, que saiu do Largo Glênio Peres, no Centro da Capital, e fez uma pausa, para apresentação de grupos teatrais, formados por usuários da rede de saúde mental, na Esquina Democrática. Posteriormente, os participantes seguiram pela rua dos Andradas, passando pela avenida João Pessoa até chegaram à Praça Professor Saint-Pastous, onde foi montada uma feira de produtos produzidos por várias associações que compõe a rede.
Segundo Letícia Quarti Soares, assessora da área técnica da Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, o objetivo dos atos é defender o direito ao tratamento em liberdade para os usuários da saúde mental e que têm problemas relacionados ao uso de drogas. “A ideia da gente poder afirmar o uso de uma rede de atenção psicossocial, a RAPS, por isso que é a primeira caminhada da RAPS”, afirmou.
Apesar dos avanços nos últimos anos, ela afirma que ainda há muito da “herança manicomial” na forma como pacientes são tratados no Brasil, como nos casos da internação compulsória. “É o reflexo de uma mente ainda muito manicomial”, diz. Ela defende que o tratamento de pessoas em liberdade, feito de forma voluntária e com o apoio da família é o melhor caminho. “Em saúde mental, a gente sabe que a intervenção só tem eficácia quando feita com o usuário e com os familiares. Em saúde mental, só sendo voluntário, e é isso que a gente está defendendo aqui”, conclui.
Feira artesanal
Um dos resultados dessa nova forma de tratar pessoas que necessitam da rede de saúde mental é justamente a 2ª Feira da RAPS, em que estão sendo comercializados, desde às 10h30 e até às 20h desta quarta-feira, na Praça Professor Saint-Pastous, produtos feitos pelos próprios usuários, que incluem quadros, bijuterias, camisetas e outros trabalhos em serigrafia, confecções em tecido, etc. Simultaneamente, usuários e profissionais da rede também participam de apresentações teatrais e musicais.
Uma das usuárias da saúde mental que estava vendendo seus produtos na feira era Márcia Collar Pereira, 45 anos. Participante das oficinas de costura e serigrafia no no grupo Geração POA – que também tem oficinas artísticas e artesanato com reciclagem de papel -, ela ajudou na produção de necessaires e marcadores de tecido. “É muito bom. A gente vai cada vez mais procurando melhorar na questão de atividades. São atividades que lembram trabalho”, diz. “Inclusive o tempo vai passando e a pessoa vai ocupando as mãos com linhas e tecidos. Evita de ficar com ‘baboseira’”, complementa, acrescentando ainda que “melhorou bastante” ao participar dessas atividades.
Também usuário da rede, Rafael Terreano, 52 anos, ajudava pela manhã a vender canecas decoradas com serigrafia produzidos pela Associação Construção, rede formada por pacientes da Geração Poa com o apoio de uma incubadora de tecnologia da Ufrgs. Ele conta que a associação, que possui cerca de 40 membros, tem dois focos principais: um grupo de produção, que faz trabalhos de serigrafia em canecas e camisetas, e um grupo de auto-ajuda. “É um pessoal que se reúne para fazer a troca de conhecimento. Um ajuda o outro”, explica.
Segundo Rafael, o grupo de trabalho, atualmente, envolve quatro pessoas, que se reúnem uma vez por semana para produzir e dividem os recursos arrecadados com a comercialização dos produtos de acordo com o tempo trabalhado. “O trabalho está dando frutos para a gente manter a associação e para dividir entre nós. Ainda não dá o sustento, mas a gente tem novos projetos”, afirma.
A psicóloga Tanise Kettermann, do Geração Poa, comemora o fato de que este é o resultado que se esperava quando se defendia a formação das RAPS. “É para isso que se cria essas redes, que são serviços, até que as pessoas possam elas mesmo se organizarem de forma solidária, de forma autogestionada, para poderem ir atrás do que eles querem. Se é gerar renda, se é fazer pesquisa, se é a convivência, elas vão poder dar a direção que eles querem para a vida delas”, diz.
Tanise salienta que, com esse trabalho, além de ajudarem na confecção de produtos, os usuários também acabam aprendendo outras habilidades, como a compor o preço de um produto, como comercializar, além de terem uma atividade positiva da qual podem participar. “Quando a Marcinha fala que ela fez a necessaire, a necessaire que ela fez passou por muita gente. Ela fez um pouco, outra fez um pouco, outra pessoa pensou os tecidos, outra bordou. Essa questão do coletivo também é uma marca da construção em saúde mental”, afirma.
O resultado desse tipo de trabalho, segundo a psicóloga, é a diminuição da estigmatização e o empoderamento dos usuários da saúde mental. “Tu tem um deslocamento na questão do estigma. Porque antes o louco era o louco de manicômio, que caminhava de um certo jeito, mais robotizado, que estava impregnado de medicação”, diz. “Hoje, uma das evidências de que a reforma psiquiátrica produz um outro jeito é que as pessoas estão aí e tu não tem um rótulo a priori de que a pessoa é diagnosticada ou não é. Isso é muito bacana”, conclui.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Superpost, Marco. Galera organizadissima em termos da produção de saúde. Valeu o relato!