Debate “Tuberculose e Saúde Prisional” (Câmara Municipal Rio)

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Abrindo a Semana de Combate à Tuberculose na Cidade do Rio de Janeiro e antecedendo o Dia Estadual de Luta Contra a Tuberculose/RJ, a Frente Parlamentar Municipal de Combate à Tuberculose da Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro realizou na noite desta terça-feira 02/08 um debate público, no Plenário Teotônio Villela, para tratar da grave situação da TB, no sistema prisional.
 
 Estiveram na mesa, para discutir o tema: a Promotora de Justiça, Dra. Anabelle Macedo Silva; o Subsecretário de Tratamento Penitenciário, Gilson S. Nogueira, representando o Secretário de Estado de Administração Penitenciária, Cel PM Erir Ribeiro Costa Filho; a Gerente de Pneumologia Sanitária (PCT/SES/RJ), Dra. Ana Alice Bevilaqua; Roberto Pereira, Secretário Executivo do Fórum ONGs no Combate à Tuberculose RJ; Márcia Badaró, Secretária Executiva do Fórum Permanente no Sistema Penitenciário; e Renato da Matta; Secretário Executivo do Fórum de ONGs/AIDS/RJ
 
Carlos Basilia, Coordenador do Observatório Tuberculose Brasil (CRPHF/ENSP/Fiocruz), e secretário executivo da Parceria Brasileira Contra a Tuberculose, incentivadores dessa ação, marcou presença junto ao debate. Para Basilia “Foi um evento muito bem organizado com um debate de alto nível técnico e político, com expressiva presença e participação do público em geral e dos atores estratégicos: gestores, profissionais de saúde, autoridades do judiciário, lideranças comunitárias, Fóruns e redes, e ativistas da saúde, aids e tuberculose. ”
“Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”
NELSON MANDELA — Long Walk to Freedon, Little Brown, Lodres: 1994.
 
O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, segundo dados do Ministério da Justiça referentes ao primeiro semestre de 2014. Em números absolutos, o Brasil alcançou a marca de 607.700 presos, atrás apenas da Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (2,2 milhões). Quando se compara o número de presos com o total da população, o Brasil também está em quarto lugar, atrás da Tailândia (3º), Rússia (2º) e Estados Unidos (1º).
 
Segundo o ministério, se a taxa de prisões continuar no mesmo ritmo, um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades em 2075. De acordo com o relatório divulgado agora, entre 2004 e 2014, a população carcerária brasileira aumentou 80% em números absolutos, saindo de 336.400 presos para 607.700. Os números absolutos, no entanto, não captam o aumento da população brasileira no período. Em números absolutos, os Estados com a maior população carcerária são: São Paulo (219.053), Minas Gerais (61.286) e Rio de Janeiro (31.510). Os Estados com a menor população carcerária são Piauí (3.224), Amapá (2.654) e Roraima (1.610). Quando os dados são comparados com a população dos respectivos Estados (taxa de encarceramento), o ranking é liderado por Mato Grosso do Sul (568,9/100 mil), São Paulo (497,4/100 mil) e Distrito Federal (496,8/100 mil). Quando o número de presos é dividido pela população, índice conhecido como “taxa de encarceramento”, o crescimento do número de presos por grupo de 100 mil habitantes entre 2004 e 2014 aumentou 61,8%. Em 2004, o Brasil tinha 185,2 presos para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 2014, segundo o Infopen, o país tinha 299,7 presos para cada grupo de 100 mil habitantes.
 
Em destaque na fala do Subsecretário de Tratamento Penitenciário, Gilson S. Nogueira, a parceria da SEAP e o Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da ENSP/Fiocruz, que disponibiliza a unidade móvel de Raio X, que possibilita o rastreamento dos casos através de screening radiológico, que representa um grande avanço no tratamento da doença, levando-se em conta que possibilita tratar o doente na própria unidade prisional e evita custos resultantes do deslocamento de presos, evita riscos de fuga, além de ser capaz de visualizar o resultado imediatamente após a realização do exame.
 
Também foi relatado como importante a realização do ProJeto TB Reach em parceria com o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
 
Em sua apresentação a promotora de justiça Anabelle Macedo Silva, disse que em outubro 2012, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE) ingressou com ação coletiva contra o Estado do Rio de Janeiro após constatar que há uma “queda nas taxas de detecção, cura e de oferta de consultas e exames a detentos tuberculosos a partir de 2010, com o aumento das taxas de mortalidade no sistema prisional”. A decisão liminar judicial determinou que o Estado do Rio de Janeiro providenciasse, no mínimo,12 médicos capacitados no Hospital Sanatório Penal e o funcionamento pleno de laboratórios para os exames de tuberculose. O Estado do Rio de Janeiro recorreu alegando que medidas já tinham sido adotadas e, apesar da contestação do MPE, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) revogou a decisão liminar em maio de 2013. O processo continua no sentido de se estabelecer os deveres e responsabilidades estatais.
 
A Gerente de Pneumologia Sanitária (PCT/SES/RJ), Dra. Ana Alice Bevilaqua, apresentou os dados epidemiológicos da TB no estado e sistema carcerário, destacando a altíssima incidência de 1.500 casos por 100 mil habitantes, o que configura uma epidemia concentrada de tuberculose nas unidades prisionais que responde por 7% dos novos casos da doença a cada ano no país. “O Brasil tem, claramente, uma epidemia de tuberculose concentrada na população privada de liberdade”, disse. “Se concentrarmos esforços nesse segmento da sociedade, certamente conseguiremos um controle mais efetivo da tuberculose no país”, afirmou. Bevilaqua também defendeu o processo de descentralização da assistência carcerária para a rede de atenção básica à saúde no território, como define a Portaria Interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014, que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). (*)
 
Roberto Pereira e Renato da Matta, representantes dos movimentos sociais de tuberculose e HIV/Aids no estado, chamaram a atenção sobre o estigma, a discriminação e o preconceito associados as duas patologias e a gravidade da alta prevalência da coinfecção TB/HIV.
 Os ativistas também reivindicaram mais campanhas de informação e conscientização sobre o problema, a participação da sociedade civil em ações de educação e prevenção, o controle social, a articulação com os diversos setores de desenvolvimento social, como educação e trabalho, bem como a promoção e defesa dos direitos humanos dos internos e seus familiares. “ O direito à saúde e a vida é um direito fundamental que deve ser garantido pelo estado, não podemos julgar e punir duplamente com doença e morte aqueles que já foram condenados e estão pagando a sua pena com privação de liberdade” afirmaram.
 
Com uma incidência de casos 28 vezes maior que a população geral, o sistema prisional brasileiro, nos moldes atuais, é o ambiente ideal para a propagação da tuberculose. Como a doença é causada por uma bactéria, transmitida pelo ar, ambientes fechados, com aglomeração de pessoas, pouca ventilação e sem a entrada da luz solar, favorecem o contágio e não é anormal ver muitos casos de tuberculose entre os presos.
Associados ao aspecto físico do local, o desconhecimento dos sintomas e das formas de transmissão, a falta de acesso ao diagnóstico e ao tratamento, e o estigma e preconceito dificultam ainda mais o controle da doença no ambiente carcerário.
A tuberculose na população privada de liberdade constitui um importante problema de saúde pública, especialmente nos países de alta e média endemicidade. No Brasil, a população privada de liberdade representa 0,3% da população do país, no entanto contribui com cerca de 7,3% dos casos de tuberculose notificados (Ministério da Saúde, 2014).
 
De acordo com Márcia Badaró, Secretária Executiva do Fórum Permanente no Sistema Penitenciário, “Os principais desafios do sistema prisional do país no que se refere à saúde dos detentos é a ambiência (condições físicas das penitenciárias) e a superlotação. Na sociedade predomina o desprezo aos internos no sistema prisional. Não há sensibilização suficiente para provocar a mobilização eficaz face às condições de saúde deploráveis, os ambientes superlotados, a ausência de atividades laborais e educativas. O quadro resultante, absolutamente crítico, exige respostas imediatas na forma de políticas públicas que envolvam todas as instituições responsáveis e a sociedade civil. A crise no sistema prisional não é um problema só dos presos, é um problema da sociedade. E toda a sociedade passará a sofrer o agravamento das conseqüências de sua própria omissão.”
 
Na opinião dos especialistas presentes, a solução para o problema não é construir mais presídios, mas repensar a maneira como o Brasil vem colocando o encarceramento como primeira opção para as execuções penais.
 
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Leia: Tuberculose nos presídios brasileiros:  entre a responsabilização estatal e a dupla penalização dos detentos https://www.scielosp.org/pdf/csp/v31n6/0102-311X-csp-31-6-1127.pdf
 
(*) https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html