O encontro, a julgar pela pelos importantes pesquisadores que estarão debatendo as experimentações de Deligny , com certeza será um sucesso absoluto.

Valeu Iza pela divulgação!

Bjs

Emília

Iza querida.

A frase “Tratava-se aqui de proporcionar a elas um meio através do qual possam exercer sua normatividade própria” me capturou! Esse poderia ser um lindo mote para um debate sobre direito à saúde.

Beijos,

Débora

Como não se interessar?

Gostaria de saber como posso participar.

Grata.

https://medium.com/@carlaferro/ce-gamin-l%C3%A0-esse-garoto-a%C3%AD-fernand-deligny-renaud-victor-2280994b07da#.t6holc14n

Ce gamin là — Esse garoto aí — Fernand Deligny / Renaud Victor

(Em que se fiar quando ela falta, a linguagem?
Sobre crianças autistas e sobre nós, sobre o que pode nos faltar, e gravemente, para que sejamos aos seus olhos inexistentes.)

 

Link para o filme: https://www.youtube.com/watch?v=i20VWKO9Sdk

Tradução de trechos escolhidos:

Não se trata de ir até eles.
Quem são eles?
Indivíduos incapazes, diz a psiquiatria, de estabelecer relações com outros.
Trata-se de traçar caminhos, fazer mapas, incansavelmente,
porque se trata de buscar caminhos.
Essa experimentação deixa ver o autismo como a deficiência que se instalou em nós, indivíduos.
Falar…
Falar como se fosse natural.
Falar “disso”. Desse menino aí, e dos outros… que se parecem com ele.
Embora tenhamos feito de tudo para dispensar a linguagem.
Dessa famosa linguagem que faz de nós o que nós somos.
E agora… precisamos prestar-lhe contas [à linguagem].
Mudo, esse menino aí…
Então, em que se fiar?
Em que se fiar quando ela não está aí, a linguagem?
Nós nos colocamos a traçar.
Esse menino aí, que não é falante… traça.
Durante meses… sua mão traçou círculos.
Círculos e mais nada.
E continua traçando.
Nós começamos a traçar, nossas mãos, seguindo com o traço,
o que nossos olhos viam,
nossos olhos, o que nosso olhar era capaz de ver, de perceber, de nos trazer.
E eis o trajeto desse menino durante um dia de setembro de 1967:
ele gira.
Ele gira, ou sobre si mesmo, com as mãos nas costas, uma dada à outra,
ou correndo, como se alguém estivesse ao centro de seu carrossel segurando-o na ponta de uma corda.
Diz-se que um menino vai [gira] mal.
Ele ia [girava] sem parar, sobre si mesmo.
Olha o que a linguagem nos faz dizer: “ele gira sobre si mesmo”.
Mas… se esse famoso “ele mesmo” é de fato ausente, vacante… esse menino gira. Em torno de nada. Em nada. Perdidamente. Perdido.
Isso, então que ele buscasse, esse “ele mesmo”, que ele “se buscasse”…, nós não seguimos essa pista.
Esse menino aí girava.
Nem bem nem mal.
Além. Para além do bem e do mal, que são coisas da palavra.
Jamais a sombra de um sorriso em seu rosto.
Sua mãe me disse: ele nunca estendeu os braços.
Nem sombra do outro, nunca, no campo do seu olhar.
O que eu me disse, e disse, e redisse… incansavelmente, imutavelmente, a nós mesmos, a esse “nós mesmos”, aí…
O que eu disse é, repetidamente, o que “nós” procuramos?
E nós, nós estávamos lá.
Próximos, atentos, surpresos, inquietos, emocionados.
Lá é um vasto lugar entre dois rochedos.
Nós, seres pensantes, seres de linguagem.
De carne, de sangue, de ossos e de linguagem acima de tudo.
Senão, em que você quer se fiar?
Mas já que a linguagem não traz nada, já que ele não a tem, esse menino aí, já que ele não ouve nada, então… a diferença é enorme.
A distância, infinita.
In-vivível, esse menino aí.
In-suportável
In-curável
E nós, a seus olhos, in-visíveis. In-existentes.
Durante todos esses meses ele girava, girava… torneava
como um vôo de pomba
e o chão, e o teto, teriam desaparecido
então o vôo não terminaria de tornear.
Aliás, todos esses meses, esse menino não andava, ele corria.
Pés nunca postos.
In-defesso, in-cansável.
Não é normal ser incansável.
O trote do lobo… uma criança de sua idade.
E além disso ele latia
um latido rouco
um “ao”
vai saber como se escreve isso.
E lhe acontecia também de bater a cabeça contra a parede ou na mão.
Outras crianças nos tinham levado, parecidas com essa aí,
por um certo traço, uma certa maneira de ser,
a crer que a falta da linguagem os faz gêmeos, essas crianças
e nós tomamos posição
nós éramos sempre alguns, em pequenas unidades espalhadas no mundo e por aqui.
Era preciso suportar, de dia e de noite, apesar do in-vivível, do in-suportável, nas ondas, no monte, rodeados pela cadeia de montanhas, algumas balsas.
Algumas balsas pós-desastre.
Desastre: a linguagem desapareceu, como diríamos do sol.
E nós, para dizer a verdade, bem desamparados. Mas tenazes.
Ele acabaria percebendo que nós estávamos lá, próximos.
Nós.
De carne, sangue, ossos e talvez outras coisas além da linguagem.
Tudo o que eu posso dizer…
o que eu devo dizer
é que nós não procuramos de jeito nenhum saber o que “eles” tinham,
do que “eles” eram acometidos.
Nós nos colocamos à procura do que podia “nos” faltar, do que estava ausente em “nós”, e gravemente, para que esse “nós” aí, de pessoas conjugadas, fosse aos seus olhos inexistente.
Inexistente… talvez não exatamente.
De longe, de muito longe, mesmo quando o menino estava por perto,
acontecia que ele distinguisse, vagamente, alguma coisa…
alguma coisa… que não tinha nada a ver
nem com um, nem com o outro.
1968: Há um ano, mais ou menos, dia após dia, ele está aí, conosco, esse menino da bola de argila, um cefalopata profundo.
Girar e se balançar.
Eu diria que é um movimento de pêndulo: a roda e a âncora.
Flores negras aqui e ali na linha de ar, onde ele parava de correr e seu balançado tinha algumas vezes menor envergadura.
Aqui é como um grito e aqui um murmurar.
Não se trata de linguagem.
Trata-se de “se” balançar.
As mãos atrás das costas, uma segurando a outra,
Todas essas flores negras são balançados.
Algumas vezes de maneira quase imperceptível, mas balançados ainda assim.
As flores nunca são completamente imóveis.
E aqui ele vibra. Até a onda. Como uma varinha de feiticeiro.
Córrego. Fluxo. Rio. Bacia. Fonte.
Todos os pesos da água percebidos. Vibrados.
Nossos trajetos estão em branco.
O deserto. Ou quase.
Quase.
Tem um fiozinho de linha de ar que passa ali.
E… está vendo o antigo lugar lá no alto?
A linha deriva.
Vai saber por quê, esse retorno obstinado ao lugar antigo.
Acontecia que um ou outro de nós acompanhasse… esse menino… até a água.
Ele… não entrava na água.
Ele olhava.
E nós pensamos… já que “outros” não existia para ele,
como fazer, para nos tornarmos água aos seus olhos?
Julho de 1969.
Deve ter acontecido alguma coisa.
Lá no alto, tem ainda o movimento de pêndulo.
Imutável. Girar e se balançar.
A roda e a âncora.
Mas… a linha de ar…
ela os toma… nossos trajetos.
Que estão por ela irrigados.
Quer dizer que esse menino aí toma parte em nossos projetos?
De “bom para nada” que ele era, eis que se tornou uma extraordinária máquina de fazer tudo.
Decididamente… sem a linguagem… não há fim.
Verdade de evidência.
Que pode nos evitar de ver que a linguagem pode ter seus próprios fins.
E quanto a nós, ela nem liga, a linguagem.
Nem mais nem menos que esse menino aí.
Um de nós foi viver em uma gruta, a 300 metros, lá embaixo. Na sua ilha de baixo. No seu buraco-ilha. E provido de algumas sextas-feiras não ordinárias.
In-vivíveis. In-suportáveis. In-curáveis.
Um pequeno fluxo de água, uma tenda, um abrigo.
Os quatro muros sem teto de um curral há muito tempo desertado.
Sem teto [sans toit].
Sem você nem eu [sans toi ni moi], esses meninos aí.
E a linha deriva, volta, vai de novo, fica, vai de novo.
E eis a linha na casa onde estamos.
Não tem água dentro da casa.
É esse menino aí que a traz.
Que a traz para nós.
Esse nos aí, sou eu que estou acrescentando.
Isso nos faz esse efeito aí, que a traz “para nós”.
A água.
In-cansavelmente.
Água. Água trazida da fonte da torneira das pedras.
Incansavelmente é pouco.
Tinha uma espécie de entusiasmo no esforço de trazer essa água.
E por que não?
Os dias eram parecidos. E estilhaçados por explosões de alegria.
A alegria explode. Estilhaçavam-se pedaços por todo lado, entre nós, o tempo inteiro.