em busca de uma vida em comum com indivíduos radicalmente diferentes

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ENCONTRO INTERNACIONAL FERNAND DELIGNY com, em torno e a partir das tentativas

Desde a publicação, na França, em 2007, das Obras de Fernand Deligny (1913- 1996), acompanhamos uma redescoberta importante desse autor e de sua obra. Durante mais de cinquenta anos, Deligny trabalhou com crianças e jovens à margem, considerados “inadaptados” pelos meios médicos, jurídicos e sociais. Ao longo dessas décadas, sua prática e seu pensamento foram se precisando – especialmente a partir de seu encontro com crianças autistas mudas nos anos 1960. A descoberta de Deligny no Brasil tem se intensificado nos últimos anos, não só pela repercussão, cada vez maior nos estudos da subjetividade, da cartografia como pista metodológica, mas também pela presença dos mapas produzidos em Cévennes na Bienal de São Paulo de 2012, de uma videoinstalação inspirada em seu trabalho na Bienal de 2014, e pela publicação da primeira tradução em português de seus textos em outubro de 2015.

Sua reflexão se funda no conceito de “humano” e é uma crítica radical a toda forma de “humanismo” e as reflexões que visam definir o homem, que forjariam imagens que os indivíduos devem mais ou menos incorporar, às quais eles devem supostamente tender virtualmente: imagens icônicas e impositivas, essencialistas e definitivas. Por sua vez, Deligny propõe pensar o “humano”, conceito refratário e marginal, que interrompe e perfura toda semelhança imaginada entre os indivíduos. O conceito de “humano”, longe de ser uma nova categoria capaz de definir o homem, aparece sempre em uma tensão insolúvel com certa imagem do homem – do “homem-que-nós-somos”. Mas essa reflexão é conectada constantemente a práticas concretas e materiais sem as quais não teria sentido.

A proposta do Colóquio é apresentar as primeiras experiências de Deligny (1938-1965) – no período central em que se assiste à definição e aplicação do estatuto criado sob a Ocupação da noção de “inadaptação” – que engloba diversas categorias de doentes mentais e delinquentes. Embora dentro das principais instituições públicas, Deligny busca, ao longo dessas diferentes experimentações, destituir o espaço instituído de seu funcionamento habitual.

Em segundo lugar, propomos a reconstituição e análise da experiência junto a crianças autistas mudas na rede criada a partir de 1967 em Cévennes, no sul da França. A proposta de Deligny, resumida na fórmula “viver em presença próxima de crianças autistas”, e não criar uma instituição terapêutica ou de reabilitação social, mas antes uma “tentativa” de vida em comum com indivíduos radicalmente diferentes. Tratava-se aqui de proporcionar a elas um meio através do qual possam exercer sua normatividade própria. A diferença entre esses indivíduos não estruturados pela linguagem e os sujeitos ditos “normais”, estruturados por esta, é tomada então não como uma diferença qualitativa – que permitiria uma distinção adaptado/inadaptado, normal/anormal, capaz/de ciente –, mas como uma diferença de “estrutura”. E a observação dessa diferença, permite a Deligny desenvolver uma crítica à linguagem e à sua função assimiladora.

Em terceiro lugar, propomos investigar o pensamento de Deligny em sua singularidade e interlocução, mais ou menos direta, com várias áreas de saber e pensadores contemporâneos.

Pensamos que essas práticas e reflexões podem servir de inspiração a uma série de temas de ordem institucional, jurídica, política, clínica, artística e de metodologia nos estudos da subjetividade hoje, em um contexto no qual a noção de “inadaptação” ganha outros nomes, mas permanece regulando uma série de discursos, onde a eficácia e o utilitarismo são palavras de ordem ainda mais presentes.

Por isso propomos a realização desse encontro no qual a obra e vários aspectos do pensamento de Deligny sejam pela primeira vez no Brasil objeto de avaliação por estudiosos, pesquisadores e leitores de variada procedência acadêmica, bem como de artistas e clínicos cujas práticas hoje remetem direta ou indiretamente às reflexões do autor.

 

Programação:

25 de agosto / 25 août Anfiteatro Junito Brandão / Bosque da PUC Rio 14h.

Introdução: Contexto e trajetória de Deligny. Marlon Miguel e Catherine Perret. 15h-17h.

Mesa 1. Clínica. Luisa Ferreira: “Um percuso sobre o autismo: historia, clinica e perspectivas de tratamento”, Eduardo Passos: “Inadaptação e normatividade”, Luis Aragon: “Deligny clínico”. Moderador: Tania Rivera Auditório B8 Ala Frings / PUC Rio 17h30-19h30.

Mesa 2. Escritas. Alexandra De Seguin: “La septième face du dé, une zone d’indétermination essentielle”, Thalita Lima: “A escrita-desvio em Fernand Deligny: ‘uma língua estrangeira em sua própria língua’”, Eder Amaral: “O silêncio e a penumbra: infância entre Fernand Deligny e René Schérer”. Moderador: Adriana Frant 20h-22h.

Mesa 3. Antropologia. Barbara Glowczewski: “Devenir trace: des lignes d’erre aux lignes de chant des Aborigènes d’Australie”, Abrahao de Oliveira Santos: “Construção de redes favoráveis à pessoa no Candomblé e na Reforma Psiquiátrica”, Catherine Perret: « Rythme, trace, figure: notes sur le débat entre Fernand Deligny et André LeroiGourhan ». Moderador: Maurício Rocha. 26 de agosto / 26 août Anfiteatro Junito Brandão / Bosque da PUC Rio 14h.

Circulando/ Teatro de operações: Performance. “Qualquer loucura é melhor do que não fazer nada”. Investigação cênica sobre a loucura e a saúde mental. 15h-17h.

Mesa 4. Política. Maurício Rocha: “Deligny, Spinoza e o humano que nós somos”, Noelle Coelho Resende : “1937-1962: da escola à Grande Cordée. Deligny e o meio institucional”, Adriana Barin: “Traços de uma experiência de pesquisa e formação acadêmica: fazer do projeto pensado um agir”. Moderador: Eduardo Passos Auditório B8 Ala Frings / PUC Rio 17h30.

Projeção de Ce gamin, là (“Esse garoto, aí”), de Renaud Victor 19h30-21h30.

Mesa 5. Cinema. Marina Vidal-Naquet: ”Émoi et éclat(s) du cinéma. Fernand Deligny et Jean Epstein: penser et écrire le cinéma”, Blandine Joret: ”Un langage d’objets” Sandra Alvarez de Toledo: «Point de vue/ point de voir. Moderador: Marlon Miguel 27 de agosto / 27 août Base Dinâmica 11h-13h.

Mesa 6. Experimentações. Tania Rivera: “Traço, delírio, arte”, Peter Pal Pelbart: “Deligny e Guattari no planeta Ueinzz”, Coletivo Margens clínicas: “Cartografias da Memória – Linhas de Escuta no Território”. Moderador: Noelle Coelho Resende. 14h30-16h. Ateliê dos mapas conduzido por Sandra Alvarez de Toledo. 16h30-17h15.

Performance, seguida de discussão com os artistas. Maria Alice Poppe e Tato Taborda: Terra Incognita 17h30-19h30.

Discussão final.

22h. Festa Rua Saint Roman

 

comitê científico

Catherine Perret (Université Paris 8)
Guillaume Sibertin-Blanc (Université Toulouse II-Le Mirail) Bertrand Ogilvie (Université Paris 8)
Pascal Sévérac (Université de Paris-Est Créteil) Pierre-François Moreau (ENS Lyon)
Luiz Eduardo Aragon (PUC SP)
Marlon Miguel (Université Paris 8)
Maurício Rocha (Direito PUC Rio)
Noelle Coelho Resende (Direito PUC Rio)
Maxime Rovere (Filoso a PUC Rio)
Ana Paula Veiga Kiffer (Letras PUC Rio)
Eduardo Passos (Psicologia UFF)
Peter Pal Pelbart (Filoso a / Psicologia PUC SP)
Bernardo Carvalho Oliveira (Educação UFRJ)
Sandra Alvarez de Toledo (Éditions de l’Arachnéen)

 

 

 

comitê de organização

Marlon Miguel (Université Paris 8) Maurício Rocha (Direito PUC Rio)
Noelle Coelho Resende (Direito PUC Rio) Eduardo Passos (Psicologia UFF)

Rafael Cataneo Becker (Direito PUC Rio) Bernardo Carvalho Oliveira (Educação UFRJ) Ana Paula Veiga Kiffer (Letras PUC Rio)

realização

PSICOLOGIA UFF

apoio

produção gráfica infojur / arte karina yamane