A Loka de Efavirenz: a profanação do corpo “aidético”

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Escrito por: Renan Moser; Marcelo Jardim; Luiz Felipe

As desigualdades sociais geram medo. Axs que não comem, o me do da repressão do Estado; axs que não dormem, o medo dxs que não comem. Essa paráfrase inspirada em Milton Santos nos leva a uma reflexão sobre a fome de saúde que assola populações marginalizadas. Quando o acesso equal à saúde é falho, o cuidado não é possível. No âmbito da prevenção de HIV/AIDS a violência do Estado contra esse acesso se dá quando a prevenção é pensada somente para soronegativxs, mas não pensada enquanto cuidado ao HIV positivx.

Cuidar de uma pessoa pressupõe acessá-la para além de uma linguagem biomédica. Ou seja, cuidado é ouvir, não julgar moralmente, não violentar. Dessa forma, nos soa no mínimo um aspecto revolucionário com nossos corpos, a fome de sexo que restam axs soropositivxs. As sexualidades dxs que vivem com HIV/AIDS não se iguala às dxs que não vivem: as práticas sexuais das PVHA são repletas de estigmas que geram o medo nxs que não são positivxs. E as campanhas de prevenção ou que falam de HIV/AIDS, em nada se preocupam em deslegitimar este medo. Pelo contrário, acentua-o; como nos lembra Vera Paiva desde o início dos anos 2000.

As desigualdades sociais, marcadas por gênero, raça, classe social e sexualidades são consideradas nas campanhas de prevenção e de cuidado às PVHA no sentido de marginalizar corpos ditos subalternos. Se não somos todxs marcadxs como soronegativxs, somos colocadxs como “populações-chaves” ou “populações de risco”: o ser LGBT, “Homem que faz sexo com Homem”, jovem e negro. No que tangencia cuidado e prevenção, institucionalmente falando no âmbito de construção das políticas públicas, os que pensam prevenção não são xs mesmxs que pensam “tratamento”. Vera Paiva chama de tratar receituário aquele que vigora sobre o cuidado, impondo modelos prontos de comportamentos tanto para xs que procuram prevenção por não terem certeza sobre sua sorologia, quanto para xs positivxs que buscam os ARV. O tratar receituário te vê como uma marca, a “população de risco”, não como uma pessoa. Sua humanização é escamoteada pelo controle do seu corpo sobre a perspectiva receituária dos Consensos Terapêuticos, que nem mesmo contam com PVHA usuárias do SUS em sua construção.

Neste sentido, “xs que não comem” revolucionam na profanação do corpo definido como subalterno “pelxs que não dormem”. Essa revolução vem na busca pelo cuidado e no abandono do tratamento receituário que controla nossa vida como marca. Uma pessoa soropositiva pode – e vai -, em busca de seu prazer, transar sem camisinha e correr o risco de adquirir outras doenças sexualmente transmissíveis.  A culpabilização desta pessoa no caso de outra DST além da AIDS, é uma forma de desumanização que culmina no medo que tanto é necessária para manutenção das desigualdades, como bem nos lembrou Milton Santos no inicio desse texto. O medo ax soropositivx necessariamente gera o medo à revolução.

Neste espírito revolucionário de profanação do corpo “aidético” e de luta contra o golpe que assombra o povo brasileiro, surge o Loka de Efairenz. 

 

 

 

 

 

“Efavirenz é um fármaco inibidor da transcriptase reversa não-análogo dos nucleósidos (NNTRI) que se administra como parte da terapêutica antirretroviral de elevada eficácia (HAART) no tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana tipo I (VIH-1).”

Devido a quantidade cada vez maior de gatxs e mais gatxs Lokas de Efavirenz, está página tem como intuito ser um instrumento político para pressionar o Estado e a Indústria da Aids para que deixe de nos estigmatizar, de nos invisibilizar e nos ofereça melhores medicamentos e condições de vida. 
Ao contrário do que o discurso midiático mainstream sugere, a epidemia de HIV e de Aids está bem longe de ser erradicada. Hoje, o Brasil vive enormes retrocessos no combate à epidemia de Aids e já não é mais referência no tratamento. Sabe por quê? 
Primeiramente, Fora Temer. Em segundo lugar porque a expansão da epidemia é diretamente proporcional ao avanço do conservadorismo, à falta de combate à homofobia, à falta de discussão de gênero nas escolas, a enorme invisibilização das pessoas transsexuais e ao racismo escancarado que faz com que as mulheres pretas de periferia sejam as mais afetadas – e mortas – pela epidemia de Aids. Essas vulnerabilidades, cunhadas pejorativamente de “populações de risco” não são responsáveis pela doença. O que nos torna vulneráveis é a dificuldade do acesso às formas de prevenção. 
Com o atual desmanche do SUS, não se investe mais em campanhas preventivas que visem disseminar informação. O que temos hoje é o tratamento como prevenção para as pessoas já infectadas – as que aderem à medicação, claro -, e também a discussão sobre o uso do coquetel – PreP e PeP – como medidas profiláticas e medicamentosas por aqueles que não são soropositivos, seja porque são adeptos às práticas de bareback ou porque estão numa relação sorodiscordante, ou porque sentem mais prazer sem o preservativo, ou por qualquer outro motivo. 
Entretanto, isso nada mais é do que o reflexo do peso da Indústria da Aids fazendo lobby com esse governo. Afinal, como vão surgindo os consensos terapêuticos acerca dessas medidas de prevenção? Como isso movimenta a Indústria da Aids? Parece-me muito mais interessante – para a Indústria – que exista um mercado consumidor de coquetel do que investimento em outras formas de prevenção, de conscientização, de situar e inserir as pessoas no debate HIV/Aids, e de perceber que todos nós convivemos com essa epidemia.
E, não obstante, pouco ou nada se fala acerca dos incontáveis efeitos colaterais imediatos e a longo prazo com o uso desta medicação. Diarreias, náuseas, calafrios, vômitos, dores de cabeça, dores no intestino, sonhos lúcidos (esse eu curto rs), depressão, estresse, sobrecarga dos rins e do fígado, problemas estomacais, etc, etc, etc…, são todos efeitos que inclusive comprometem a adesão ao tratamento. E esses efeitos não são exclusividade do Efavirenz, mas utilizamos este em específico como mote pra nossa reivindicação.
Enfim, está página pretende romper com o silêncio de soropositivos que, como eu, sofrem com essa violação aos Direitos Humanos. Queremos qualidade de vida, melhores medicamentos, respeito, acesso à informação…, queremos poder tocar nas pessoas sem acharem que serão “contaminadas”. É hora de romper com o silêncio, com esse estigma de peste, com o isolamento e com a sensação de desamparo e morte.

 

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