Experiências na Ouvidoria da Saúde – SESA

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Um dia em uma ouvidoria pode nos presentear com alguma surpresas. Cada cidadão que nos procura carrega e representa algo que muitas vezes está afetando um grupo maior de pessoas que precisam de ajuda, principalmente para encontrarem o caminho do livre exercicio da cidadania que, em muitas vezes, começa quando uma informação é compartilhada. A experiência abaixo faz parte de um acervo que começamos a produzir para guardar um pouquinho de experiências tão preciosas, escutá-las e dar o melhor direcionamento na  busca efetiva de soluções. Como a maioria de nós bem sabe, nem sempre conseguimos o êxito esperado, mas estamos sempre reavaliando nossa  prática e acreditando no SUS que dá certo. Então, segue um de nossos relatos. Abraços, Auricéia.

Hoje na ouvidoria falamos sobre pessoas e doenças
Quando aquela mãe entrou com sua filhinha, logo falava a respeito das limitações da criança e do quanto precisava da aplicação de uma toxina, principalmente porque fora informada da probabilidade daquela criança perder definitivamente os movimentos da perna. Todo discurso daquela senhora recaia sobre as dificuldades e impedimentos trazidos pela doença daquela criança. Enquanto um colega acolhia aquela mãe, resolvi convidar a criança para conhecer a geladoteca. Ali não encontramos literatura infantil (opa, acho que vou contribuir nesse sentido), mas conversamos e cantamos bastante, ela sugeriu que eu me deitasse ao chão e como não sabia ler, foi criando historias interessantes que traziam um pouco do que observavam das minhas roupas, cabelos e de si mesma. A convidei para subir as escadas, subiu alguns degraus e então ofereci ajuda, e ela disse que não precisava que ficaria por ali olhando pelo saguão. Naquele momento percebi que ela demonstrava que conhecia e   era capaz de lidar com os próprios limites, numa situação em que a maioria dos determinantes poderia produzir submissão. Esse encontro me fez refletir a respeito das pessoas e das doenças, do quanto é importante compreender que as pessoas devem ser reconhecidas e valorizadas pelo seu potencial, porque são pessoas, e o quanto as pessoas com limitações podem sofrer sob o estigma de incapazes, em detrimento a tudo aquilo que podem apresentar de ganhos e superação, não obstante ao cuidado e assistência dado a importância daquilo que afeta seu corpo, e muitas vezes sua auto-imagem, seus relacionamentos e tudo mais. Uma frase me ajuda a ampliar horizontes a respeito das pessoas e das doenças. Paulo Amarante, ao sintetizar a contribuição de Franco Basaglia, grande nome na área da saúde mental , expressa da seguinte forma : “Se a doença é colocada entre parênteses, o olhar deixa de ser exclusivamente técnico exclusivamente clínico. Então, é o doente, é a pessoa  objetivo do trabalho, e não a doença. Desta forma a ênfase não é mais colocada no ‘processo de cura’, mas no processo de ‘invenção da saúde’ e de ‘reprodução social do paciente’“ (Amarante, 1996). Hoje falamos sobre sujeitos, concretos, sociais e subjetivamente construídos, ainda que limitados. Nós que estamos aprendendo a produzir saúde. E acrescento aqui que, após o devido encaminhamento desta demanda, a instituição efetivou o agendamento do procedimento.


Referencias Bibliográficas:

Amarante, Paulo. O homem e a serpente. Rio de Janeiro, Editora FioCruz; 1996.

 

 

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