Cuidando de quem cuida: Uma experiência de humanização em saúde
Bom dia! Sou Leônia, residente de psicologia do Programa de Residência Multiprofissional em saúde do Adulto e Idoso da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Hoje gostaria de compartilhar com vocês uma experiência de humanização em saúde através do Projeto “Cuidando de quem cuida” , o qual considero uma feliz e grata experiência, e que acontece a partir de reflexões resultantes da atuação da equipe de residentes acerca do processo de adoecimento e institucionalização dos usuários e familiares, como também acerca dos fazeres dos profissionais de saúde responsáveis pelo cuidado dos mesmos.
Pra que vocês possam compreender melhor de onde parte a experiência, gostaria de trazer inicialmente uma breve contextualização. O Programa da Residência do qual faço parte estabelece como cenário de prática no primeiro ano de inserção institucional de seus residentes, a clínica médica e a clínica cirúrgica do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes. Estes dois espaços possuem demandas e características distintas entre si, mas, ainda assim, algumas questões os perpassam e acabaram por produzir algumas inquietações. Uma primeira inquietação diz respeito a equipe multiprofissional das clínicas, onde se percebeu a necessidade de integração entre a mesma para o diálogo e efetivação de uma atuação multiprofissional, o que tem sido dificultado pela gama de atividades rotineiras e procedimentos próprios a cada profissão. Para além disso, observa-se também a necessidade de maior humanização em suas ações, uma maior integração e melhor acolhimento junto ao paciente que o permita ser percebido em sua integralidade e individualidade. Tais questões são reforçadas pelas próprias queixas apresentadas por profissionais da equipe, quanto à dificuldade de adaptação da rotina hospitalar e enfrentamento das adversidades inerentes à clinica, caracterizada por significativo quadro de pacientes oncológicos e em cuidados paliativos, assim como, pelos não raros óbitos, os quais acabam por revelar a intensa angústia destes profissionais ao deparar-se com tal situação. Vale ressaltar relatos de componentes das equipe, os quais afirmavam necessidade de acompanhamento psicológico para suporte ao enfrentamento das condições apresentadas pelos pacientes, como também, relatos que indicam os reflexos destas dificuldades em suas rotinas extra-hospitalares.
Aliado a isso, outras questões inquietadoras se fazem relevantes ao pensarmos o processo de adoecimento e consequente internação hospitalar que acarreta grandes mudanças no cotidiano não somente do paciente, mas também de seus familiares e amigos, principalmente, quando estes assumem a condição de acompanhantes. Deve-se considerar, nesta situação, o intenso desgaste físico e emocional destes na convivência diária com o sofrimento de seu ente e dos demais pacientes. Tal condição implica, ainda, a responsabilidade assumida perante os cuidados com seu ente, além da desconfiguração de sua rotina, quando muitos cessam suas atividades laborais ou quando se ausentam de seus domicílios, tendo, ainda, que se afastar dos cuidados para com seus demais familiares. Além disso, a condição de acompanhante exige a adaptação a rotina hospitalar e regras institucionais. Todos estes fatores são agravados e acabam por gerar um estado de angústia e forte estresse quando se tem um longo período de internação do paciente, o que ocorre de modo mais frequente no cenário da clínica médica.
A partir de tais aspectos, foi que se pensou então na reativação de um projeto executado por uma turma anterior de residentes, mas que no entanto, não obteve continuidade. O Projeto “Cuidando de cuida” ressurgiu com a proposta de se criar um espaço de escuta, interação, discussão e diálogo, implicando na produção de sujeitos conscientes da realidade que vivenciam, como também, viabilizar reflexões sobre aspectos diversos, como cooperação, interdisciplinaridade, acolhimento, atendimento humanizado, o papel do cuidador, entre outros. Além disso, se tem como objetivo oferecer suporte e orientação quanto á questões diversas, tais como orientação quanto aos cuidados básicos com o paciente ou mesmo esclarecimentos quanto à rotina hospitalar, assim como trabalhar temáticas diversas as quais não tinham seu foco na doença, proporcionando, com isso, momentos de descontração e lazer.
Os encontros são coordenado pela equipe de residentes multiprofissionais, tendo auxilio, ainda, dos profissionais da clínica, conforme disponibilidade dos mesmos. Acontecem quinzenalmente, alternado em momentos distintos para profissionais e acompanhantes. Considerando a dificuldade de se afastar dos espaços da clínica para ambos os grupos, passamos a utilizar salas dos próprios andares, assim como estabelecemos uma duração breve para os encontros, variando entre 30 a 40 minutos, no entanto sempre estando aberto para uma flexibilização, que se dá também quanto ao horário. Como estratégia metodológica, lançamos mão de recursos diversos, tais como, roda de conversa, dinâmica de grupo, além de utilizar recursos terapêuticos, como música, vídeo, imagens, atividades artesanais, entre outros.
A minha participação no projeto se deu durante 6 meses, quando estive na clínica cirúrgica, período no qual aconteceram 9 encontros. Nestes, construimos espaços onde conversamos sobre histórias de vida, a situação atual da instituição, que passava por um momento de crise na oferta dos serviços, as dificuldades da rotina de trabalho, o trabalho em equipe, o “lugar” do acompanhante. Refletimos, também, sobre a importãncia da atividade física na qualidade de vida dos cuidadores, sobre empatia, confiança e a importâcia do cuidador. Em meio aos encontros, desenvolvemos, ainda, atividades artesanais na qual, para além de um espaço de criação, trabalhamos a cooperação.
Contudo, foram momentos de articulação, fortalecendo os vínculos e possibilitando uma interação entre os diversos atores que no cotidiano não acontece, em grande parte devido a rotina da clínica. Também constitui-se uma estratégia para o fortalecimento do trabalho multiprofissional, através do compartilhamento, desconstrução e reconstrução de olhares acerca do outro.
Ainda é um desafio a implantação desse projeto, pela dificuldade que alguns profissionais ainda tem de aderir a esta construção, tendo que se afastar de sua rotina , o que nos diz ainda de um equívoco e de uma longa luta quanto á concepção e reconhecimento destes espaços. Porém é um desafio que vale apena ser enfrentado, pois são construções diárias, pequenos grandes passos que se agregam para o fortalecimento do SUS que dá certo!
AbraSUS, e que continuemos dialogando!
Por Mariana de Moraes Duarte Oliveira
Olá Leônia!
Muito bacana você compartilhar a sua vivência nesse espaço! De fato, enquanto residente, também percebo a importância dessa atividade nas clínicas e como, apesar das resistências, parece ser bem aceito pelos participantes. Assim como você colocou, é um processo de construção diária assim como a própria Residência, mas que tem valido a pena.
O acompanhante nesse momento de hospitalização é visto como o ponto de apoio do paciente, sua ligação com a sua rotina anterior e sua rede social, o que muitas vezes acarreta angústia e um processo de sofrimento. Dessa maneira, a promoção da saúde a estes sujeitos, através do grupo, possibilita educação em saúde e fortalecimento de vínculos e de sua autonomia, além de proporcionar esse momento de relaxamento.
Acredito no fortalecimento desse grupo e sua efetivação no ambiente hospitalar.
Sigamos!